Friday, March 02, 2007

AL SUL POÉTICO

Quadras de António Aleixo*

Recitadas por Mário Viegas e Manuela de Freitas (in CD "Poemas de Bibe", 1990; reed. Público, 2006)

A arte é força imanente,
Não se ensina, não se aprende,
Não se compra, não se vende,
Nasce e morre com a gente.

Há tantos burros mandando
Em homens de inteligência
Que às vezes fico pensando
Que a burrice é uma ciência.

Quem prende a água que corre
É por si próprio enganado;
O ribeirinho não morre,
Vai correr por outro lado.

Talvez paz no mundo houvesse,
Embora tal não pareça,
Se o coração não estivesse
Tão distante da cabeça.

E assim, lição por lição,
Que a pouco e pouco aprendemos
De outros a outros daremos,
Que a muitos outros darão.

antonio_aleixo.jpg

* António Aleixo (1899-1949)

Poeta popular português, António Fernandes Aleixo, nasceu em Vila Real de Santo António a 18 de Fevereiro de 1899, e faleceu em Loulé a 16 de Novembro de 1949. Foi um grande cultor da quadra, que improvisava com grande facilidade e engenho. Aos sete anos, a família transferiu-se para Loulé, onde António Aleixo aprendeu as primeiras letras.
Ao longo da sua vida, exerceu as mais diversas profissões – tecelão, servente de pedreiro (em França), guardador de rebanhos, cauteleiro, cantor popular e até polícia da P.S.P. (Fui polícia, fui soldado, / Estive fora da nação; / Vendo jogo, guardei gado, / Só me falta ser ladrão.).
António Aleixo constitui um caso singular da poesia portuguesa: embora semi-analfabeto, compunha de forma espontânea, por vezes de improviso, em quadras ou sextilhas, onde exprimia numa forma concisa uma filosofia da vida aprendida pela observação e pela experiência própria ("Se umas quadras são conselhos / que vos dou de boa fé; / outras são finos espelhos / onde o leitor vê quem é."). De temas variados, «o que caracteriza a poesia de António Aleixo é o tom dorido, irónico, um pouco puritano e moralista, com que aprecia os acontecimentos e as acções dos homens» (MAGALHÃES, Joaquim - "Explicação Indispensável" in Este Livro que Vos Deixo, 3.a ed., 1975). Difundida oralmente e coligida em 1969 pelo professor Joaquim Magalhães, a sua obra poética foi acolhida com êxito por um público que viu nas suas quadras um repositório de sabedoria popular e um clamor por um mundo mais justo.
As suas quadras estão reunidas nos volumes Este Livro que Vos Deixo (1969) e Inéditos de António Aleixo (1978).


Colaboração:lugar-ao-sul@grupos.com.br

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