Wednesday, March 07, 2007

AL SUL NO DIA MUNDIAL DA MULHER - HOMENAGEM

Para todas as mulheres do Mundo



Ode a Vénus

(Miguel Torga, in "Odes", 1946; "Poesia Completa", 2000)



(Botticelli, O Nascimento de Vénus, c. 1485, Galleria Degli Uffizi, Florença

Deusa nua e perfeita
Que incendeias a carne e a ressuscitas,
Que tornas viva, activa, insatisfeita,
No final da colheita,
A matriz corroída que visitas:

Vem outra vez ao triste acampamento
Destes pobres mortais!
Vem, nesse primaveril deslumbramento,
Trazida pela bruma e pelo vento
Da morada das fontes naturais!

Molhada pelo mar salgado e frio,
Sai da concha e passeia
A regar de frescura, amor e cio
O deserto vazio
Desta areia!

Porque tu és o mito redentor!
És a flor
Que há-de chegar a fruto!
És a poesia, o sol, o fogo eterno
A aquecer cada inverno
Que fecha o céu da vida no seu luto.

Deusa!
Mulher e aparição num corpo só!
Seios, umbigo, coxas e cabelos
Que são fios abertos de novelos
Onde se aperta a seiva como um nó.

Presença virginal e fecundada,
Quem se pode salvar sem te sentir
Quente e marmórea no seu leito?
Senhora, concubina e namorada,
Ver-te despida é já de si despir
O sarro morto que se tem no peito!

Da penumbra do tempo vem teu nome
Cinzelado na pedra da verdade;
Da raiz desse tempo vem a fome
Dum beijo submisso que nos dome
À sua maternal humanidade.

Lodo e ternura, lume e arte.
Um seio que dê sonho e alimente!
O desejo a buscar-te,
A condição a dar-te,
E toda a lama do prazer ausente!

Na própria chama acesa
Arde a lenha do mal.
Arde, e fica certeza
Do halo que circunda a realeza
Que toca cada coisa natural.

Vem, grega sabedoria dos sentidos!
Sem pecado e sem vício, mostra erguidos
Os instintos, a forma e a paixão!
Filha de artistas e da natureza,
Só te pede a beleza
Quem a traz a bater no coração!

Eterno Feminino

(Miguel Torga, in "Diário IV", 1949; "Poesia Completa", 2000)



Voltei, ninfas amigas!
Quem pode resistir a um fresco aceno
De donzelas despidas?
Fiel devoto da nudez da vida,
Tinha sede de ver-vos distraídas
A correr pela terra ressequida.

Serei criança, mas voltei de novo
Ao vosso altar sagrado.
Ou não fosse eu poeta!
Ou não me desse a imagem do passado
Uma esperança secreta...

Vim, e que o mundo murmure,
Ninfas de cada fonte!
Que me importa que digam que enlouqueço
Junto de vós?
Quero é beijar-vos, é beber,
E sentir-me no fim purificado...
Só deusas verdadeiras podem ter
Um corpo tão perfeito e tão lavado.

Colaboração:lugar-ao-sul@grupos.com.br

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