Ecce Homo
(Miguel Torga, in "Diário X", 1968; "Poesia Completa", 2000)
Humanidade exposta
À varanda do mundo,
A mostrar
Consumadas,
As horas cruciantes da paixão.
As chagas a sangrar
E as mãos atadas...
Violência e prisão.
Semivelado, o rosto
Não tem olhos.
Ou cobre-os o pudor
Da lucidez...
Alheio ao sol fortuito do poder
E à vencida aparência que lhe dê,
O penitente deixa-se apenas ver.
O que ele vê, não se vê...
Via-Sacra
Duro caminho de chegar à morte!
E dura condição
De ser nele,
Como eu,
Conjuntamente o Cristo e o Cireneu!
Condenado,
Açoitado,
A cair
E a sangrar
Sob o peso do lenho,
Se me quero sentir humano e ajudado,
O recurso que tenho
É cantar como um carro carregado.
É pedir a coragem dos meus passos
À força dos meus versos.
Versos que são apenas o sudário,
Solidário
E crispado,
Do meu rosto de carne, desenhado
No chão da caminhada.
Como ajuda que desse ao próprio corpo
A sombra por ele mesmo projectada.
Friday, April 06, 2007
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment