Thursday, December 26, 2013
Sunday, October 27, 2013
A SÉTIMA ARTE TEM GENTE COM VALOR COM RAÍZES NO ALANDROAL
Está a decorrer o DOC LISBOA 2013
Uma plataforma que permite repensar o documentário nas suas
implicações e potencialidades artísticas, politicas e sociais, o Doclisboa
representa um lugar de convívio, debate e pensamento vivo, um espaço de
proximidade e partilha entre o cinema e o publico.
Joana Galhardas, filha dos nosso conterrâneos
Dr. Luís Fernando Galhardas e Joana Galhardas realizou a curta
metragem «ESCRITO NA PEDRA» e viu
agora a mesma ser selecionada para ser apresentada neste festival, na secção
Verdes Anos
(verdes
anos foca-se em autores ainda em formação num apelo à reflexão sobre o ensino
do documentário e Cinema de Urgência que procura ver o cinema como ação direta em contraposição aos media tradicionais)
A mesma irá ser exibida no Cinema S.Jorge dia 1
de Novembro pelas 17 horas, com a presença da realizadora.
Aqui lhe deixamos o trailer de VERDES ANOS
http://www.doclisboa.org/2013/ pt/edicao/programadetalhe/ 2974#.UmuF5dBRjAw.emailhttp://www.doclisboa.org/2013/pt/edicao/programadetalhe/2974#.UmuF5dBRjAw.email
(Dois materiais
distintos, produzidos em momentos diferentes; um registo áudio da madrugada de
Carnaval de 1987 e um registo visual de um levantamento arqueológico, no
Alentejo do inicio da década de 90)
Wednesday, August 21, 2013
Tuesday, July 30, 2013
TÁ BEM " DÊXA"...VOU ALI JÁ VOLTO - "COITADOS DOS REFORMADOS"
Os nomes dos políticos que
recebem do Estado a pensão mensal vitalícia passaram
a ser secretos.
Comissão Nacional de Protecção
de Dados cujo presidente é eleito pelos deputados, considera que "a pensão
mensal vitalícia não é uma informação pública...." "in Correio da Manhã”
Os
partidos políticos criaram em Portugal, um sistema de roubo legal para os seus
membros, baseado na acumulação de reformas e pensões vitalícias. Só o número de ex deputados com pensão
para toda a vida (de todas as cores e para todos os gostos) já ultrapassa os
400 beneficiários. O valor dessa regalia rondará os oitocentos mil Euros por
mês. Friday, May 17, 2013
"O BOA TARDE" - Uma história do Helder Salgado
Mais uma vez o Hélder teve a amabilidade de escolher o Al
Tejo para divulgar em primeira-mão mais uma obra literária da sua autoria.
Desde que me conheço,
não como homem, mas como menino, sempre ouvira estas duas palavras de saudação:
Bom-dia, boa-tarde conforme o período do dia.
Uma história de vida protagonizada por mais um desfavorecido
da sorte, nascido e criado nas Hortinhas e que como tantos outros a quem a
felicidade não sorriu se viu obrigado a calcorrear terras limítrofes em busca
do ganha-pão.
História humana que nos remete para outras épocas e que por
certo irá avivar a memória de muitos não só pelas personagens que fazem parte
da mesma mas também pelos locais onde se desenrola.
Faz o Hélder questão de dedicar esta história a um amigo que
por força das contingências da vida se viu forçado a procurar uma vida melhor
noutras longínquas paragens;. O Manuel Augusto.
Chico Manuel
“BOA TARDE”
(O HOMEM SEM RUMO)
Ainda mal via, e ao colo de minha mãe, comecei a ouvir estas
palavras.
Depois com o meu crescimento físico e à medida do meu
crescimento mental, ia-me apercebendo da importância das palavras.
Cedo descobri que as palavras eram o melhor meio de
entendimento entre as pessoas.
Quanto me divertia o gesticular das pessoas quando
conversavam. Uns gesticulavam com gestos largos, com pequenas passadas e voz
alta, outros com gestos moderados e de voz baixa.
Quanto me irritava quando o meu pai me dizia: “não falaste, ou, porque falas a fulano, a
beltrano ou cicrano”.
Mas o que ainda mais me custava e me fazia sentir uma
revolta interior, porque não a podia exteriorizar, era quando alguma velha
fanhosa e com segundo sentido me cumprimentava “Bom-dia menino Helder; o menino está bonzinho?” e eu tenso, com o
sangue a fervilhar-me nas veias, vermelho como um pimentão e com uma vontade
enorme de a mandar calar ou para outro lado, mesmo sem ter o hábito de mandar
alguém, ali estava, caladinho, sem articular palavra pois se o fizesse, era a
minha mãe que me ajustaria as contas.
Como naquele tempo, ainda hoje me soa como uma melodia o
simples cumprimento “Adeus Helder” .
Era a época, uma época que depois reconheci que a palavra
não se deveria negar a ninguém, sobretudo aquelas duas palavras de saudação,
Bom-dia, Boa-tarde e com o Sol já posto, Boa-noite.
Apesar de se ter convencionado dar nome às pessoas e às
coisas, nunca me surpreendi com algum nome fora do vulgar ou até que me
parecesse aberração.
O que para ainda hoje não vejo explicação é para duas alcunhas
que puseram a duas pessoas, dois irmãos. Ao mais velho chamaram-lhe Boa-Tarde e
ao mais novo Bom-Dia.
Parece-me, na minha apreciação de atribuição destas
alcunhas, que estão invertidas.
O mais velho deveria ter tido a alcunha de Bom-Dia, pois
tendo nascido mais cedo dever-lhe-iam ter atribuído a primeira parte do dia, o
período da manhã e ao outro irmão, o da tarde.
Certo é que estas duas pessoas não se importavam com o
chamamento.
O Tonho Boa-tarde
Estas personagens nasceram na simpática aldeia das Hortinhas
e vieram morar para a histórica Vila de Terena.
Morar não será talvez o termo apropriado, pois muito
novinhos, para tratarem da vida, passavam muito tempo, épocas mesmo, fora de
casa.
O Boa-Tarde era uma pessoa de estatura meã, magro, simpático
e sempre sorridente.
Era, como me garantiram algumas pessoas que ainda lidaram
com ele, a bondade em pessoa.
Apesar da sua condição de pobreza, parecia sempre feliz e
quando conversava com alguém era um bom comunicador.
Bom gesticulador dando, enquanto conversava, pequenas
passadas, para trás, para frente e lados, sempre afável e sorridente.
Não fora à escola mas a sua capacidade de aprendizagem
permitia-lhe assimilar as questões mais correntes da vida.
Nasceu no monte do Outeiro, uma casa com duas divisões,
lajeada e com telhado de telha vã, encimada de ripas dispostas em salto de
rato.
A chaminé, apesar de fumosa, sobretudo no Inverno, era o
conforto da casa. Os grandes lumes de feixes de esteva, onde também se juntavam
uns paus de azinho, que a mãe recolhia das azinheiras secas e de algumas
atingidas por raios quando das trovoadas de Fevereiro, aqueciam toda a casa.
O menino Tonho, o Boa-Tarde, cedo se apercebeu que teria que
ir quente para a cama. Era composta de
tábuas de caixotes, provenientes da fábrica de sabão da Sofal, em Vila Viçosa , que nesse
tempo abundavam e onde a habilidade do mestre Está, carpinteiro de obra grossa
e fina, conseguiu pregar em quatro barrotes. Se ao contrário procedesse era
mais que certo, não se conseguir aquecer durante as longas noites invernosas.
Se a roupa da cama mal o aquecia, o mesmo se poderia dizer
da roupa que ele usava de dia, mas aqui a sua esperteza levava-o, a procurar as
soalheiras bem batidas pelo Sol e abrigadas do vento, sobretudo do vento suão.
Este atributo era divulgado pela mãe, que na mira de
proteger o filho ia contando à vizinhança.
O “Bicho” de são Miguel da Mota.
O pai, natural da região de Borba fora moleiro no moinho da
Figueirinha.
Este moinho, de uma só mó, tal como a maior parte deles,
estava situado na margem direita, no sentido do correr de água, na ribeira do
Lucefécit, perto da serra de São Miguel da Mota.
O Véstias de Borba não se cansava de enaltecer aquela
região. Sabia e descrevia todas as curvas da ribeira a quem o visitava. - É
a ribeira serpente, - dizia sempre esta frase, com uma contaminante alegria
visível no seu olhar.
Conhecia todos os pegos onde iria encontrar os patos
marrecos, onde via a fugitiva galinha de água, ou a rocha onde majestoso cágado
dormitava ao Sol.
Do que ele menos gostava era do pica-peixe ou guarda-rios,
não pelo vivo azul da sua cor, mas pelo seu voo rápido que o assustava.
Como se tornava
cómico na sua cuidadosa aproximação a qualquer freixo, cuja sombra se
reflectisse na água calma e serena, na mira se ver um opulento barbo ou uma
lontra.
- É um quadro com vida,
- comentava sorridente.
Mesmo não tendo veia poética, não se continha, e, por vezes,
lá aparecia uma quadrazinha.
“ Neste lugar tão agreste
Serra de rara beleza
O
encanto que me deste
É um
bem da Natureza”
No Inverno e na Primavera, o Véstias de Borba muito
raramente ia a casa.
Era preciso aproveitar a corrente das águas e moer o mais
possível, pelo que estava muito tempo sem ver o filho. Alguns domingos ia a
mulher, a tia Vicência Marona, ter com ele evitando levar o menino, pois o
caminho era rochoso e muito ladeirento.
Espalhada estava a
notícia, e com ela algumas suspeições, passadas de boca em boca, que as cabras
da herdade de São Miguel estavam sendo dizimadas por um bicho.
Boatos correriam que
o bicho, não era quadrúpede.
O Véstias de Borba, o
moleiro, começou a sentir-se incomodado com aquela conversa do bicho.
Não era natural do
concelho do Alandroal e ainda residia há pouco tempo, na Aldeia das Hortinhas,
passando a maior parte do tempo no moinho.
Um dia, para
tranquilizar o seu espírito, resolveu ir falar com o lavrador.
Da conversa nasceu a
ideia de fazerem uma emboscada ao bicho.
Armaram-se de
caçadeira e esconderam-se numa gruta, ainda hoje existente na margem direita da
ribeira, frente ao sopé da serra, que termina com uma nesga de terra rente ao
leito da água.
Ali estiveram, regelados, até alta madrugada quando ouviram
um som esquisito.
Suspenderam a respiração e aguardaram numa quietude de
estátua.
Quatro inquietos javalis farejavam os ares, parecendo
procurar algo que outrora ali encontraram.
Os dois homens, o moleiro e o lavrador, logo tiveram a percepção
que aquele local fora palco de qualquer cena fora do habitual que aquele rude sítio
poderia oferecer.
Abandonaram o refúgio antes do Sol nascer, para não serem
descobertos e combinando outras emboscadas.
A visita nocturna dos javalis tornou-se rotineira, até que
um dia uma estranha personagem a interrompeu.
Sentou-se, sem perda de tempo e com um á vontade, de quem
entra naquele jogo, já há algum tempo.
A expectativa dos dois homens aumentou, como aumentou a
contenção da sua respiração e a sua curiosidade.
- Quem será e que virá
ali fazer aquele sujeito, aquela hora da noite?
Esta pergunta afluiu,
em primeiro lugar ao cérebro dos dois homens, mas logo foi sobreposta e
confirmada por outra, quando o berrar aflitivo de uma cabra se fez ouvir.
O cérebro do moleiro sorriu de contente e de alívio.
Aquela cena irradiaria para sempre alguma suspeição, que
julgava recair sobre ele.
A cabra arrastada pelo cabreiro, o Zé da Mota, que ganhara
esta alcunha, pelos longos anos de servidão na herdade de São Miguel da Mota, sentia
que teria o mesmo fim que tiveram outras suas irmãs de raça, há muito tempo e
ali bem perto sacrificadas em nome de um Deus ou de um Demónio, mas sempre
sucumbidas pela mão assassina do Homem.
De caprina em caprina geração fora passada a notícia e ela,
cabra, estava prestes a ser abatida, não em nome de uma divindade, mas agora em
nome de um bicho, uma invenção de um talhante sem escrúpulos.
Nos intervalos da sua aflição, do seu berrar, a cabra pensou:
- Que diferença me faz a mim ou às minhas
irmãs de raça ser abatida por um agiota ou por um sacerdote? Que Deus é este
que instrumentaliza os humanos e se sacia com o nosso sangue?
Queria com os seus berros de indignação, dar uma lição aos
Humanos, aqui, e na sua compreensão animal, representada pelo cabreiro.
Na resistência ao seu
moural, a cabra interrogava-se sobre os dogmas que as faziam unir em rebanhos,
em bardos para seu conforto para depois lhe subtraírem os filhos, em apriscos
para lhe tirarem o leite, para depois, com elas doutrinadas e indefesas, as
sacrificarem em nome da fé, duma fé que nem ela, nem a sua família caprina conseguiam
compreender e que agora a levava ao desespero.
E mais se interrogava porque não as deixavam livres e
senhoras da sua própria vontade, como outrora viveram na serra de São Miguel,
nos montes da herdade da “Deluques” e na serra de Ossa?
Ao ouvir os berros da cabra a estranha personagem, que todos
falavam em surdina e alcunhavam de bicho, precipitou para o local do som. Não
tiveram dúvidas os emboscados: O bicho ou melhor os bichos de São Miguel eram
bípedes.
O moleiro num gesto arrebatado tirou a espingarda ao
lavrador e disparou os dois tiros de chumbo zagalote, por cima da cabeça dos
dois comparsas, que varejaram um chaparro, cujas bolotas chicotearam o Zé da
Mota e o velho Caturra, o talhante da aldeia.
A cabra agora solta continuou a berrar, numa entoação de
contentamento vitorioso, de liberdade.
A tristeza do cabreiro
Ás cinco e meia da madrugada o cabreiro entra na casa da
malhada.
As cinzas de um lume, já apagado, pareciam adivinhar o fim
de uma tragédia.
Ainda quentes, mas já moribundas, tal como a alma do Zé da
Mota, que ao entrar em casa parou petrificado e incapaz de responder à mulher, ainda
davam uma réstia de calor.
- Mais uma vez... bem te avisei... e os tiros?
Decerto que foram para ti e para esse velho ganancioso que te fez ladrão.
Ao choro da filha a
Maria Pulguita, a mulher do cabreiro, recolheu ao quarto.
Zé da Mota nem uma palavra
articulou, mas o seu rosto sofreu uma torrente de lágrimas, maior do que uma
enchente da ribeira provocada pelas fortes enxurradas do mês de Fevereiro.
Puxou uma cadeira, sentou-se e encostou a cabeça nas costas de outra. Assim
esteve até ao romper do Sol.
Ao seu despontar sai de casa e vai a caminho do monte. O seu
caminhar é o de um homem que se deixara vencer por umas bebedeiras e umas
conversas ardilosas, teia viscosa e enleadora de onde não se consegue sair
quando se lá cai.
O vale do Lucefécit, com a sua estrondosa vegetação, onde
outrora, na sua imaginação de sonhador, parecia ver São Gens acenar-lhe e a Boa
Nova em cima do telhado do seu Santuário de lenço branco na mão fazer o mesmo
gesto, via-o agora seco e agressivo, com as silvas e os carrascos a tentarem
esgatanhá-lo.
Chegado ao monte sentou-se no masseirão onde os cães e os
gatos comiam, pensando no futuro que ele julgava próximo, não teria que dar de
comer à mulher e à filha.
Ao julgar-se prisioneiro afluiu-lhe ao cérebro esta canção:
“Ó vale do Lucefécit
Ribeira da minha paixão
O teu
leito já me parece
O fosso da minha prisão”.
Dois pequenos e
simultâneos ruídos fizeram-no voltar á realidade.
Atrás estava a mulher
com a filha ao colo e á frente o patrão acabado de sair de casa.
O cabreiro estava a
viver os piores momentos da sua vida, estava entre o acusador e o juiz,
disposto a receber o castigo que o marcaria para o resto da sua vida, como a da
sua mulher e da filhinha. Aqui não continha as lágrimas de revolta e de
recriminação.
Sem defesa restava-lhe ouvir a sentença e partir.
Partir para onde? Sozinho ou acompanhado? Decerto que a
mulher o abandonaria.
Neste cogitar de ideias viu-se numa cabana entre as rochas
mais altas dos Castelinhos ou no maciço rochoso do Poio Grande, mais acolhedor
e virado ao nascer e correr do Sol.
Estes pensamentos fervilhavam no confuso e agitado cérebro
do Zé da Mota.
O gélido silêncio é interrompido pelo patrão.
- Vieram por causa dos tiros? Fui eu e Véstias
de Borba. Não matámos o bicho, mas ficámos com a certeza de que ele não mais
voltará. Tinha que defender as cabras, são minhas e são o teu sustento, é delas
que vem o leite para a tua filha, a carne para a tua família e o salário para
te pagar.
Zé da Mota, soluçando, ia começar a falar, o patrão
interrompeu-o:
- Não digas nada, vão descansar, a história do
bicho de São Miguel acabou agora e aqui.
Uma lágrima de ira vincou para sempre o rosto do cabreiro. -
Ah se eu pudesse deitar as mãos ao
Caturra, - pensou com a fúria de um cão raivoso.
A inesperada ida ao monte Outeiro do Véstias de Borba.
Nesse mesmo dia o moleiro vai a casa para contar a mulher, o
sucedido.
Tinha que exteriorizar à esposa os seus pensamentos e
receios, que agora se mostraram infundados com o desmantelamento da cena do
bicho.
No decorrer da conversa, o casal nota que o seu filho, Tonho,
ouve esta com uma atenção não própria de uma criança da sua idade.
Nos seus lábios floriu um sorriso que impressionou os pais.
Um sorriso diferente de todos os outros meninos e nunca visto em alguém, um
sorriso angelical.
O Boa-Tarde estava a ser criado quase só com a mãe e, da
pouca convivência com o pai advinha-lhe a sua admiração e respeito. Além disso
o pai falava-lhe doutra região, com muitas hortas e árvores de fruto, que o
fascinavam.
Só na manhã do dia seguinte o Véstias de Borba voltou ao
moinho.
Voltava contente e ainda mais contente porque a esposa
compreendera a sua inquietação. Contudo uma interrogação lhe afligiu o
pensamento, por não conseguir decifrar a desmedida atenção do filho.
Os coelhos bravos, que de noite procuravam os seus
alimentos, no seu regresso às suas moradas olhavam para ele e não fugiam, as
perdizes que começavam a sua safra em busca dos alimentos do dia, paravam ao
vê-lo passar, os trigueirões faziam-lhe guarda de honra e saudavam-no com o seu
trinado cantar.
Até respirava fundo para cheirar as estevas e o rosmaninho.
O moleiro não resistindo a tamanho encanto, quis também
fazer parte daquela harmonia campestre, para ele triunfal.
Improvisou esta quadra e cantou:
“O bicho
já é passado
E do medo que dele tive
Já estou eu aliviado
Agora sou homem livre”.
O eco retornava-lhe sete vezes o último verso “ agora sou homem livre” ,a frase que ele
mais gostara de ouvir.
A primeira relação com a casa Godinho
Um dia a tia Marona, desceu ao monte do tio António Godinho,
para pedir um pouco de azeite, que o seu, proveniente do rabisco das azeitonas
que ela apanhara e que foram moídas no lagar de Terena, há muito que se
acabara. Contou ao lavrador a esperteza do seu menino Tonho, mais tarde
alcunhado de Boa-Tarde.
No lavrador e na sua mulher, a dona Aldonça, logo nasceu a
curiosidade de conhecer o menino.
Este começou a andar muito cedo e logo que saiu de casa,
tendo já algum tacto, descendo a ribanceira, que ligava o pequeno aglomerado à
herdade do tio Godinho, atraído pela beleza do gado vacum, que para ele,
menino, se chamavam apenas bois.
Colheu umas ervas e apontou-as ao focinho do primeiro animal
que encontrou.
A vaca, que nunca tinha visto tão minúsculo tratador, olhou
admirada e aceitou a comida.
O menino Tonho sorriu de admiração ao ver-se rodeado pelos
animais, que no seu íntimo aplaudiam o gesto benfazejo daquela criança, quando
a lavradora, que no momento varria a rua do monte, surpreendida com a junção
dos animais, nota que estes rodeiam uma criança.
Esbaforida corre célere ao encontro do menino, levada por
trágicos pensamentos que se poderiam ter realizado, não fora a sua providencial
intervenção.
O menino na sua inocência sorri, longe de compreender a
aflição da sua julgada protectora.
Os animais ficam surpresos pela acção de espanto da dona,
pois também eles não conseguiam compreender a sua preocupação.
A dona Aldonça Godinho ao levar menino para o monte, vê que
ele continua sorrindo, num sorrir desafiante perante um futuro que ela lia nos
seus olhos cheio de dificuldades e de incertezas e que no seu raciocínio de
mulher experiente terminavam em tragédia.
Ao chegar a casa contou ao marido este estranho
pressentimento. Este depois de sentir um calafrio percorrer-lhe o corpo, disse
para a mulher, sem nenhuma convicção, que nada se disso se iria concretizar.
O menino depois de tomar banho e de vestir roupa nova,
embora usada pelos filhos da lavradora, almoçou no monte do tio António
Godinho.
Este nobre gesto fez-se ouvir em toda a freguesia de São Pedro
de Terena e era, constantemente, lembrado pelo menino Boa-Tarde, que na sua
ainda pequena maneira de pensar se julgava herói.
O crescimento do Boa-tarde
Passados quatro anos e meio nasce o irmão Inácio, o Bom-Dia.
O Boa-Tarde cedo se apercebeu que tinha que partilhar tudo
com o mais novito, desde a comida, a roupa e a cama.
Cedo começou a pensar que para sobreviver um pouco melhor
teria que sair cedo de casa dos pais.
O seu encantador sorriso parecia cativar as pessoas que
nunca lhe negavam uma resposta ou um conselho, que ele, criança, assimilava e
registava para futuro.
O monte do Godinho era para ele uma atracção.
Estava perto da casa da mãe. Além do gado vacum, tinha toda
a espécie de galináceos, cães, gatos e porcos.
Com o seu crescimento e sobretudo com o seu poder físico foi
alargando a sua esfera de acção, que o levou até à aldeia, onde se apercebeu
que uma lavradora, a tia Joaquina Aperadora, tinha fama de boa pessoa e não
negava uma esmola a quem quer que fosse.
A época das matanças celebrizou esta senhora até aos nossos
dias pela esmola ser sempre a rechina.
É-lhe atribuída esta quadra, que se popularizou até hoje.
“Tia Jaquina Aperadora
Lavradora da Aldeia
Não me deia mais rechina
Já tenho a barriga cheia”.
A mãe, a tia Marona embora lhe agradasse os géneros trazidos
para casa pelo filho, não lhe agradavam muito as suas deambulações, cada vez
mais alargadas pelos montes da aldeia.
Combinou com o lavrador Godinho, em levar o menino Tonho para
o monte, onde iria guardar perus.
O Boa-Tarde ficou radiante, muito embora não lhe agradasse
guardar perus.
Ali no monte teria a barriguinha cheia e ainda levaria
alguma comida para o irmão mais novo, pois já se tinha apercebido que a senhora
Aldonça Godinho, a madrinha como ele lhe chamava, gostava dele e ainda ficaria
perto das vacas, agora com mais liberdade devido ao seu crescimento.
Como ele adorava ver o gado vacum a lavrar e como se
divertia com a ladainha do carreiro para dirigir as vacas, enquanto lavravam.
Um dia não resistindo pediu para pegar na rabicha da
charrua. O carreiro deixou-o pegar, mas a sua falta de força não permitia a
continuidade do rego, tendo o carreiro pressionado, com a sua mão em cima da do
Boa-tarde, a rabicha. Este ficou com a mão dorida e não mais quis lavrar.
O que ele adorava era tratar do gado vacum sobretudo da
bezerrinha que lhe morrera a mãe. Delirava quando com a mão dentro de uma
vasilha com leite, a bezerra chupando os seus dedos bebia o seu alimento.
Entre ele e a bezerra nascera uma espécie de amizade mútua.
A bezerra, logo que solta ia ter com ele e brincavam os dois, ora saltando, ora
correndo.
O tempo vai correndo e com ele ambos vão crescendo
O Boa-Tarde começou a pressentir que a bezerra ia ser vendida
na feira de Janeiro, em
Vila Viçosa. Uma estranha tristeza começasse a apoderar dele.
O filho mais novo do patrão o Zé, que fora padrinho de baptizo
do Boa-Tarde, não com este nome mas com o de António Marono, explicou a razão
da venda da bezerra e para contentá-lo ofereceu-lhe o serviço de ajuda de
porcos, dando-lhe uma marranita, com poucos dias de idade.
O Boa-tarde depressa esqueceu a bezerrinha, pedindo para
dormir na cabana, onde existiam compartimentos para porcos.
Em cima da parede divisória das pocilgas arranjou a cama,
cujo enxergão feito de sacos de sarapilheira e cheios de palha de centeio, não
precisava de colchão, nem de lençóis.
Dormia vestido e só nas noites mais frias de Inverno é que
se cobria com um velho capote aguadeiro.
Assim passou até aos
dezasseis anos altura em que se sentiu capaz de governar sozinho.
O Boa-tarde deixa o monte do Godinho
Ponderou durante algum tempo a sua saída do monte do tio
Godinho.
O irmão mais novo Inácio, o Bom-Dia, depois de uma infância
difícil, de pida, acrescida pela prematura morte do pai e que ele, Boa-Tarde se
julgava no dever de auxiliar, tinha-se anexado no monte do Alvarinho, nos
Orvalhos, onde se manteria até ir para a Guiné, combater os movimentos de
libertação, em mil novecentos e sessenta e seis, onde fora condecorado.
Com efeito o Véstias de Borba, depois de uma demorada
constipação, que resultou uma dupla pneumonia vem a morrer, num dia de violenta
tempestade, debaixo do pontão nas curvas do Pego-longo.
O Boa-Tarde sofre o seu primeiro desgosto.
Testemunhos vivos, ainda da época, confidenciam-nos que ele,
no seu sentido e dolorido pranto, não se cansava de dizer “ foi a corrente de ar e a grande molha que o
matou”.
Com o dinheiro da venda da porca e dos porquinhos e com o
pouco que amealhou da soldada, comprou uma burra, depois um carro de varais e
logo que juntasse mais algum dinheiro compraria umas ovelhas.
Doloroso foi a ato de despedida do seu padrinho Zé Godinho.
Pela segunda vez na vida, o alegre e fascinante sorriso do
Boa-Tarde não se viu nos seus lábios.
A sua hesitação do abalar do monte do Godinho foi vencida
com esta frase do padrinho:
- Segue a estrada da tua vida, se nela
encontrares obstáculos, procura-me que eu te auxiliarei.
Dias depois confidenciaria o Boa-Tarde, a um amigo, “se não fosse a aquela frase do meu padrinho
derramava muitas lágrimas”.
A antiga herdade de D. João
Diziam e ainda hoje se diz em Terena, que esta herdade fora
dividida pela povoação de freguesia e tomara o nome de Coutada.
Este dito é atestado pela existência de pequenas courelas,
encabeçadas por pequenas divisões chamadas sesmos.
Muitas pessoas, ou por terem saído da Terra, ou por
incapacidade de arranjar as courelas, não as cultivavam, dando a pastagem sem
nenhuma contrapartida ou em troca de um borrego.
Foi assim que o Boa-tarde se tornou pastor.
Erigiu dois bardos na
Coutada. Um perto das Hortinhas, outro perto de Terena, assim teria desculpa
para praticar a transumância.
Para abeberar as ovelhas e a burra tinha a ribeira ou ainda
podia usufruir de dois poços concelhios, o de Beja situado na herdade dos
Barros, hoje com o acesso vedado e o das Alcaçarias perto da Vila de Terena
além da fonte da Ferrenha, o sítio que lhe dava mais jeito.
Outra arte que nele se conheceu foi o de preparar cães para
a caça nomeadamente para apanhar coelhos nas silvas e lebres na cama.
Aos cães era-lhes ensinado a andarem debaixo do carro da
burra, aí se protegiam das chuvas e dormiam se não encontrassem melhor cama,
porque com eles, além do comer, o Boa-Tarde pouco se preocupava. Nem com os
cães nem com ele próprio. Dormia em qualquer lado. Um guarda-chuva grande para
abrigo do vento e da chuva, um plástico por baixo e outro por cima para lhe
servir de cama, sempre ao abrigo de um espesso carrasco.
Um dia o velho Chico Claré ofereceu-lhe uma choça, feita de
estevas e piorno, já velha mas a que ele chamou de palácio.
O Boa-tarde e as meninas
Entre Vila Viçosa e o Redondo gerou-se uma disputa na área
da sexualidade.
As raparigas eram
quase sempre as mesmas, uma semana estavam em Vila Viçosa , com um
pseudónimo de, a espanhola, a francesa, a china e na semana seguinte no Redondo
com outro nome a Lolita, a Arlete, a Chinesa e assim se iam governando e
desgovernando quem delas se utiliza-se em demasia.
O Boa-Tarde, aqui com alguma cumplicidade do padrinho,
estreou-se com a Lolita.
Não foi fácil esta estreia.
No seu asseio pessoal o rapaz deixava muito a desejar e o
cheiro dos porcos, muito activo e difícil de eliminar, era factor de recusa das
meninas e, apesar de pagar, por vezes, o custo da chapa, objecto que a troco de
dinheiro permitia a entrada no quarto, onde estava a rapariga e o uso desta.
O padrinho achou neste acto, pagar e não ser servido, uma
enorme injustiça.
Escutou a queixas do afilhado e resolveu falar com a patroa
e a Lolita.
Para qualquer prostituta era, não só um triunfo fazer perder
a virgindade a qualquer rapaz, mas também um divertimento com as suas reacções.
Com o Boa-Tarde era diferente por causa do maldito cheiro
dos porcos.
Pelo cativante sorriso e simpatia do rapaz, a Lolita
condescendeu impondo uma condição:
- Levanto a saia,
deito-me atravessada na cama e ele não me toca.
Com a sua experiência no ofício sabia bem que o ato praticado
pela primeira vez, duraria apenas breves segundos, ganharia o dinheiro e teria
para sempre a gratidão do Boa-Tarde e do padrinho.
O cheiro do Boa-Tarde era surpresa para a ela que começara a
relacionar com o Chico Maluco, natural da Malhada Alta e porqueiro no monte do
Covão. Apesar das muitas relações sexuais com ele praticadas nunca sentira o
cheiro que o Boa-Tarde deitava.
O Boa-tarde ficou feliz com o ato mas uma enorme confusão
apoderou-se dele, a ponto de se julgar, mais uma vez, enganado e desejou de ir
novamente às meninas.
Uma decisão acertada, senão milagrosa.
O Chico Maluco entendia-se, lindamente, com a Lolita quer na
conversa, quer na cama.
Até então o Chico, por ser meio destrambelhado, nunca
namorou, nem nenhuma rapariga o quis, encontrava na Lolita a compreensão e o
carinho que nunca antes sentira.
Uma crescente simpatia, que pouco a pouco os aproximava
mais, ia-se tornando em paixão.
Por sua vez a Lolita estava saturada daquela vida que se
assemelhava a uma prisão, por pouco sair à rua e quando saia, logo que
reconhecida, era vexada e maltratada, além disto, no exercício da prostituição
encontrava clientes que judiavam com ela, confundindo a virilidade com a
brutalidade.
Exibia no seu corpo nódoas de beliscões provocados por
clientes, que destituídos de qualquer cultura, pareciam julgar que estas
mulheres não eram seus semelhantes.
A Lolita não hesitou, até porque já gostava do Chico, quando
este, a medo lhe pediu para ir viver com ele.
Poucos dias depois estava no monte do Covão.
O porqueiro quando da capação dos porcos para a engorda,
recorria ao Boa-Tarde.
Eram necessárias três pessoas. Uma para apanhar o porco,
outra para capá-lo e a terceira pessoa para o chapinhar com água e creolina,
não fosse a ferida infectar-se ou ganhar bichos. A Lolita poderia ocupar-se
desta última tarefa.
Ao fim de um mês a viverem na casa da malhada e depois de se
irem conhecendo mutuamente, a Lolita conta ao Chico que este nome não é o dela
e que se chama Conceição.
- Conceição -
repetiu o Chico sem se impressionar e continuou.
- É a santa da minha
Igreja há missa todos os primeiros Domingos do mês, às vezes vou lá, e todos os
anos ajudo na Festa, - conclui com uma firmeza que impressionou a rapariga.
No primeiro domingo do mês de Fevereiro do ano de mil
novecentos e cinquenta e sete, o Chico Maluco está com a rapariga a quem ele,
carinhosamente, já considerava mulher, ajoelhado perante o altar de nossa
Senhora da Conceição da Fonte Santa.
Tentou rezar - Ave
Maria cheia de graça; Pai nosso que estais
no Céu - era das orações o que sabia.
Sentiu-se
envergonhado. Olhou para a Conceição e
viu-a compenetrada em rezar.
Como não a queria deixar sozinha decidiu rezar à sua
maneira.
Levantou a cabeça,
procurou os olhos da imagem e desta forma diz:
- Senhora da Conceição sabe que não sou maluco
e não sou mau rapaz, nunca briguei, nem roubei nada a ninguém. Tenho ao meu
lado a mulher que amo. Bem sei que a fui buscar a uma casa de p..., sucedeu. Já
olhei duas vezes para ela. Não tira os olhos de si. Deve estar a pedir perdão
para os seus pecados. Não me importo com o passado dela., se assim fosse não a
tinha ido lá buscar. Diga-lhe isto. O
que me interessa é o dia de amanhã, o futuro e hoje já a tenho ao meu lado.
- Olhou novamente para a Conceição que não pestanejava e de imediato para a
Senhora e pensou - Se estiver a pedir
perdão, perdoa-a, sempre é melhor.
Ao acabar a frase sentiu uma enorme sonolência. Fechou os
olhos e baixo a cabeça.
Assim esteve até acabar a missa.
Ao ouvir, em voz suave - Francisco,
Francisco - que ele julgou ser divina é que saiu aquele estado
sonolento.
O casal Francisco e
Conceição foi a admiração de todas as pessoas presentes na missa, gente das
redondezas e os seus conhecidos da Malhada Alta.
O Jacinto, o seu maior amigo, até gritou de contente: - O Chico já deixou de ser maluco.
Todos sorriram e o casal não se deteve sem trocar, ali
mesmo, um beijo amoroso, que a Conceição e o Francisco consideraram milagroso.
Um pedido satisfeito
A casa da horta tinha apenas um compartimento. Nele se
cozinhava, nele se dormia.
Embora isso não afectasse a felicidade de ambos, o Francisco
decidiu pedir ao patrão, um quarto e a cozinha no monte. Este raramente lá ia e
tinha no Francisco uma confiança total, disse que sim. Podia servir-se de tudo
o que existia na cozinha e das mobílias do quarto.
- Só temos que comprar as roupas, podemos
suportar esta despesa sem custo nenhum, - disse o Francisco com uma enorme
satisfação à esposa e de um modo de quem via reconhecido o seu esforço e a sua
abnegação.
A grande surpresa do Boa-tarde.
A sua tendência em conhecer os locais onde o pai quando
rapaz viveu, fê-lo ir até Borba, por ocasião da feira dos Santos. Aproximou-se
da feira do gado muar e cavalar.
O seu aspecto de boa pessoa aliada ao seu sorriso e ao seu
rosto tisnado pelo Sol, não passou despercebido Jaquim Cigano, que o convidou
para seu auxiliar na venda de uma parelha de machos, que tinha a seu cargo.
Três notas de cem escudos foi a cortagem dada pelo cigano ao
Boa-tarde.
- Não faltarei a nenhuma feira, três notas de
cem ganhas em tão pouco tempo. Quantos
dias tenho eu que andar atrás das ovelhas para fazer este dinheiro?
Pensava o Boa-tarde com um desmedido entusiasmo a roçar uma
ganância em si desconhecida.
Todos os anos o Chico Maluco chamava o Boa-tarde para o
ajudar na capação dos porcos. O Boa-tarde depois de deixar tudo arrumado em
relação às ovelhas, parte para o monte do Covão, a cavalo no carro de varais
puxado pela burra e com o Bailarico, o cão. Sempre era mais um dinheirito que
entrava.
Quando lá chegou o Chico, com um sorriso de contentamento
diz para o amigo:
- Já cá tenho uma mulher, amiguei-me.
- Está a brincar comigo - disse incrédulo
o Boa-tarde.
A operação de capação
dos porcos tinha sempre lugar depois do almoço.
Prepararam os fios,
deram um arranjo ao local da capação e afiaram a navalha. Tudo estava preparado
para o começo da tarefa, quando uma voz feminina, clara e bem timbrada suou,
ecoando o chamamento para o almoço.
A simplicidade do Boa-tarde tornou-se interrogativa. “O Chico diz que tem uma mulher e vamos
almoçar na cozinha do monte”?
Ao entrar na cozinha pasmou de admiração, nunca tinha visto
uma mesa tão bem composta e cheia de comida,
habituado que estava ao pão com morcela e toucinho, por vezes com azeitonas,
embora na casa Godinho comesse à mesa com o lavrador.
Delicado como era esmerou, sem grande custo, um afável
sorriso e falou à mulher.
- Bom dia minha senhora - Bom dia - retribuiu a Conceição sem olhar
para o convidado.
Sentados os três á mesa o Boa-tarde olha duas ou três vezes
para a senhora, parece reconhecer nela a Lolita, mas como o Chico a tratava por
Conceição ficara confuso.
O começo da obra começou com tudo a correr bem, embora a
ideia de saber se rapariga era ou não a Lolita, não saísse da cabeça do
Boa-tarde.
De repente lembrou-se que, mesmo com rapidez da prática do
ato sexual com ela praticado, no Redondo, fixara uma grande nódoa na parte
interior da coxa direita da rapariga. Para confirmar isso teria que levantar a
saia à senhora e arriscar-se-ia a levar uma sova dela e do Chico.
- Nunca farei isso,
- pensou receoso o convidado.
O último porco a capar mais possante e arrisco que o
anterior, escapa-se aos dois homens e foge. O Chico vai ao celeiro buscar um
caldeiro com favas para atrair o animal.
Sozinho com a Conceição ocorre-lhe a ideia o que o Estroino
e o Matassa, um dia lhe disseram - uma
relação com uma mulher não fica completa senão a beijarmos.
O Boa-tarde não perde tempo, tira da carteira três notas
cuja efigie era o Pedro Nunes e diz:
- Tu és a Lolita deixa
dar-te um beijo, - disse de rompante e sem medir as consequências.
Mal acabara a frase tem na cara uma violenta bofetada, mais
forte que o safanão do porco fugitivo.-
Porra, tem mais força que um homem - resmungou o visitante, que de imediato
vai ajudar a apanhar o porco.
A Conceição tinha pedido perdão pelos seus atos, muito
embora não se julgasse ser só a culpada.
A desarmonia conjugal onde fora criada e o seu abandono pelo
pai aos quinze anos levou-a sair de casa.
Pensou que o rapaz de quem ela gostava e que muito lhe
prometera, a levaria para sua casa. Puro engano. Depois de passarem alguns dias
juntos abandonou-a.
Um homem muito mais velho que ela recolheu-a, durante algum
tempo e a até ela engravidar.
Um calvário de maus tratos caiu sobre a Conceição.
Pensou que o aborto seria a saída possível para continuar
sobre a protecção daquele homem que começava a odiar, mas que era ainda o seu
único amparo. Mais um engano.
Restou-lhe a prostituição mas sempre pensando que um dia o
futuro surgiria.
Agora ali no monte do Covão, onde o azul do céu lhe parecia
diferente, deixando brilhar o Sol com uma intensidade acolhedora, cujo prateado
da Lua o secundava maravilhosamente e onde nos dias de Sol e nuvens adorava o
encanto e as cores do arco-íris.
Ela tratava das galinhas, dos perus e dos patos. Brincava e
corria com o cão. Sentava-se à soalheira com o gato enquanto costurava. Condoía-se
do piar noturno das corujas e dos mochos, mas divertia-se e assustava-se com o
voar rasante dos morcegos.
Estava a viver o sonho que ela no fundo sempre aspirara e
que agora com o Francisco estava a tornar-se realidade, além disso julgava-se
perdoada de todos os seus pecados e não seria agora o Boa-tarde que desmuraria
todo este encanto.
O marido adorava-a e apreciava a sua comida sempre feita a
tempo e a horas.
Tanto ela como o Francisco, depois de sentirem algumas
hesitações nas pessoas, eram agora respeitados por quem os visitava, sobretudo
pelos vizinhos mais próximos.
Num suspiro de alívio pensou - Serei, eternamente, fiel ao meu Francisco.
Este ato isolado de falta de respeito em nada belisca o
nosso protagonista, será a única excepção pois não mais se ouvira uma palavra
em desabono da personalidade do Boa-tarde.
A confissão do Boa-tarde
Regressado a Terena conta o sucedido no monte do Covão aos
dois amigos. Estes para contentar o Boa-tarde e para ao mesmo tempo se
satisfazerem e se divertirem prontificam-se a levá-lo às meninas de Elvas por
altura das festas do São Mateus, advertindo que teria que pagar a despesa.
O nosso protagonista, levado sempre pela tendência que tem
por Borba e arredores, trava conhecimento com um negociante, de Bencatel, de
nome Xarila, a quem vende os borregos recebendo uma pequena parte do dinheiro,
com a promessa de quando este os vendesse receberia o resto.
Havia dinheiro para a festa.
Começava-se adivinhar um futuro algo anormal até mesmo
trágico na vida do Boa-tarde, acrescido por lhe morrerem três ovelhas com a
doença súbita das sete sêmeas.
É chegado o dia de São Mateus, as maiores e as mais
completas e vistosas festas da região e nelas revelamos a chegadas dos Pendões.
Nesse dia havia tolerância na fronteira e os habitantes da
vizinha Badajoz enchiam as ruas da cidade de Elvas.
O Matassa e o Estroino levaram o Boa-tarde para a ribeira do
Lucefécit e no pego da correntinha obrigaram-no a lavar-se, vencendo a
resistência deste com a advertência que lhe poderia suceder o mesmo, que
aconteceu no Redondo. Arranjaram-lhe calças e casaco, camisa e gravata. Calçado
é que não conseguiram arranjar.
Ei-los em Elvas, em plena festa de São Mateus.
Passada a preocupação dos três amigos em arranjarem
alojamento, passearam despreocupados pelas ruas da cidade até à esperada casa
das meninas. Depois destas contratadas e com um especial acautelamento com a
que era destinada ao Boa-tarde, separaram-se para exercer o ato.
A casa estava cheia de clientes e um calor abafadíssimo
instalou-se nos aposentos das raparigas, de tal modo que algumas, para se
refrescarem, ligaram nos seus quartos as ventoinhas.
O Boa-tarde é convidado a entrar no quarto da prostituta,
que de robe aberto refrescava e descansava um pouco o seu corpo, cansado de
tanto ser usado naquele dia de Festa.
O nosso homem mirou-a de alto abaixo.
Contou depois - tinha
as mamas aguçadas, bem pintada e sem nenhuma nódoa no corpo.
- Despe-te ordena a
rapariga.
O Boa-tarde assim procedeu. Despiu-se primeiro da cintura
para cima, depois baixou as calças e sentou-se num banco e descalça as botas,
no momento em que o fluxo de ar emanado da ventoinha se fez sentir, espalhando
pelo quarto as palhas saídas das botas.
- Sai daqui -
gritou a rapariga furiosa.
Estava ainda o
Boa-tarde a atacoar as botas quando
chegaram os dois amigos, que logo se recriminaram por aquela imprecaução.
Positivamente a sorte era adversa ao Boa-tarde em íntimos
relacionamentos com o sexo oposto.
Dizem as boas ou más-línguas que chegaram até aos nossos
dias, e que muito honestamente julgamos exageradas, que o Tonho Boa-tarde
deixou para os lados de Elvas, cerca de trezentas notas com retrato de Dona
Maria.
Certo é quando chegou do São Mateus o dinheiro para pagar o
táxi foi á conta.
A decadência do Boa-tarde
Sem dinheiro para sobreviver pensou em vender algumas
ovelhas, mas estas não lhe faziam despesa e ainda vendia alguns borregos, não
ao Xarila enquanto não lhe pagasse o resto, mas a outras pessoas, por ele
julgadas, mais sérias.
Decidiu vender o cão, o Bailarico e assim fez. O cão agora
bem tratado tornou-se o melhor cão de caça da freguesia de Terena. Consta-se
que nas margens do Guadiana, na herdade da Defesa, apanhou nove coelhos
seguidos.
O dinheiro do cão durou uma semana e pensou pedir dinheiro
ao padrinho. Receoso não o fez, vindo a pedir a um sobrinho deste.
A sorte parecia abandoná-lo com a morte de mais quatro
ovelhas, quando o Chavanquinhas lhe disse que o porqueiro do monte de Dom Pedro
morrera. Não perde tempo e para lá se dirige ficando no lugar do porqueiro.
Vende o resto das ovelhas e o carro ficando só com a burra.
Não faz mais nenhuma feira e parece desgostoso.
O seu sorriso já não
tem a alegria de outrora e só a recupera quando algo lhe anima o coração.
Um dia o Xarila aparece na horta de Dom Pedro e dá-lhe o
resto do dinheiro dos borregos.
Já não via no
Boa-tarde o mesmo sorriso e da conversa com ele travada notava-lhe, não só uma
tristeza como um desejo de abandonar aqueles sítios. Promete que voltará para
negociar o pluvial dos porcos, dizendo que talvez lhe possa arranjar novamente
para pastor.
O Boa-tarde, embora não mostrasse muito entusiasmo,
alegrou-se um pouco, por poder vir a trabalhar perto do sítio onde o pai
nascera.
Sentia por aqueles sítios uma atração esquisita, que
aumentava com a idade e parecia tornar-se mórbida.
Um dia tem a surpresa da visita do padrinho.
O pagamento das dívidas
O sobrinho do Zé
Godinho sentindo algum receio do pagamento da dívida pelo Boa-tarde, vai com o tio
ao monte de Dom Pedro para falar com este.
Lá chegados o sitiado abrindo o sorriso que o notabilizara
e, por ter achado o momento de saldar a dívida, sobe a uma azinheira, tira para
sanar aquele empréstimo, o dinheiro que tinha escondido num toco da árvore,
dizendo com uma satisfação que rapidamente se esfumou.
- Sei porque vieram
cá. Já tenho o dinheiro guardado há algum tempo. Ando com medo de sair daqui, talvez não mais
volte à aldeia e a Terena.
A frase comoveu e
intrigou os dois visitantes.
Em todas as recolhas
que fizemos não se constou que o Boa-tarde ficasse a dever fosse o que fosse a
alguém.
O relato que a agora vos dou conhecimento é comovente.
O nosso protagonista viu-se um dia necessitado de dinheiro e
resolveu pedir cinco mil escudos a um familiar. Este pensando que o dinheiro
seria gasto com mulheres, apenas lhe emprestou três mil, advertindo-o se o
gastasse com as prostitutas não mais lhe falaria.
Com os olhos humedecidos aceitou o dinheiro, dizendo,
categoricamente, que todo o dinheiro que pedira emprestado nunca seria gasto
com mulheres, nem mal gasto.
Ao fim de um mês e dois dias envia os três mil escudos por
um portador.
As acusações contra o do Boa-tarde
Na herdade do Baldio vemos o nosso protagonista novamente em
pastor de um rebanho de setenta ovelhas.
Tinha junto ao bardo uma pequena casa com chaminé, que lhe
servia também de quarto.
Desde que saíra de casa dos pais e do monte do tio Godinho
nunca tivera tanto conforto, apesar de se sentir bem quando estava dentro da choça
que o tio Chico Claré lhe oferecera.
Já tinha ensinado dois cães a caçar que lhe faziam companhia
e lhe apanhavam coelhos auxiliando-o na guarda do gado, além disso ainda
conservava a burra que o transportava quando ia buscar os víveres para a
semana.
Todos os domingos se deslocava ao mercado de Borba.
Noticias dele chegadas às Hortinhas eram portadoras da sua
felicidade, mas quem com ele convivesse mais de perto e lhe ganhasse a
confiança notar-lhe-ia uma interior e escondida tristeza, que parecia adivinhar
um fim trágico.
De bondoso que era nunca combinara soldada com os patrões,
dando-lhe estes praticamente o que queriam, além da comida.
Trinta borregos foram roubados do rebanho que estava à
guarda do Boa-tarde, sem que este o conseguisse evitar. Desgostoso e acusado de
negligência, abandona a herdade, levando com ele o pluvial.
Constrói uma cabana nos olivais, entre Bencatel e Borba e
anda de mal andar com as suas ovelhas.
Alguns proprietários perseguem-no outros toleram-no, o que
faz aumentar a sua tristeza. O dono do
rebanho faz queixa do Boa-tarde, à guarda nacional republicana de vila Viçosa
alegando, não só conivência no roubo dos borregos mas também de negação de uma
dívida de dezoito mil escudos emprestados ao Boa-tarde.
Nunca o nosso protagonista se vira confrontado com tamanha acusação,
considerada por ele a maior afronta da sua vida.
Nem a ida a Elvas, que o deixou sem dinheiro o desmoralizou
tanto como estas acusações.
Nunca ninguém o tinha considerado ladrão como agora este
patrão. Tinha confiado nele como nos outros e não combinou a soldada.
Despedido e sem acerto de contas está ferido, não
fisicamente mas na sua alma, no sentimento que o Homem tem de melhor, o seu
caracter, a sua honestidade.
Pensou em pedir socorro e lembrou-se do pai. - Se fosse vivo defender-me-ia.
Pensou no padrinho que o socorrera nalgumas situações, mas
nesta era diferente.
Era acusado de roubo e também ele poderia não o acreditar,
além disse também era lavrador. E por aqui se ficou.
Todos estes pensamentos surgiam, em desmedida avalanche, na
cabeça do Boa-tarde, acrescidos, se decidisse ir falar com o padrinho teria que
passar por Terena e aí poderia encontrar alguém que já soubesse do caso, que junto
ao ato de Elvas daria azo a severas criticas.
Estas acusações atormentaram-no dia e noite. Dir-se-ia que
estava num beco sem saída.
A estranha morte do Boa-tarde
Pensou, pensou muito, e um dia, de madrugada, ainda a
coberto da noite tomou coragem e meteu-se a caminho de Terena, acompanhado dos
seus dois cães, que ele considerava os seus únicos amigos.
Ia disposto a falar com o Matassa ou com Estroino, talvez
eles com mais experiência de vida o auxiliassem.
Para trás ficou a sua choça e o que ainda restava das suas
adoráveis ovelhas. Pensou na burra e conformou-se julgando que esta era capaz
de se governar sozinha.
Um desbobinar de recordações acompanhava-o, fazendo-o reflectir
e que ia minando cada vez mais, o seu abalado e atormentado espírito.
Sentiu sede, só sede porque a fome há muito que o não
atormentava.
Aqui e ali tropeçava caindo muitas vezes. Os cães
compreendendo o estado débil do dono não se afastavam dele, esperando sempre
que ele se erguesse.
O Boa-tarde comove-se ao sentir a compreensão dos animais,
únicos seres que no seu fraco e já doentio discernimento estavam com ele.
Pendurado do seu cinto está o seu inseparável cocho de
cortiça feito, que um dia na Festa dos Prazeres, a maior romaria do Concelho, o
Parrança, habilidoso artesão de Terena lhe oferecera.
Chegado à Fonte das Freiras tenta, sem conseguir, tirar o
cocho do cinto. A serena água do tanque reflecte a sua imagem, contrastando com
a turbulenta agitação que ia no interior do Boa-tarde. Este parece ver-se a um
espelho, onde raramente se via. No seu atormentado estado psíquico não se
reconhece. Vê a imagem multiplicar-se, com gestos acusadores.
- Foste tu, Boa-tarde, foste tu.
O nosso homem tenta
fugir daquele lugar mentiroso e maldito.
Fugir daquelas
pessoas que o estavam a acusar sem procurarem o conhecimento da verdade,
daqueles juízes que sem conhecimento de causa, arrastados por interesses
individuais ou partidários, ditam a sua sentença condenando os inocentes. - Não, - grita o Boa-tarde.
Nunca aquele tranquilo vale foi agitado com tamanho
estrondo. Não houve em nenhum inverno, que se tivesse conhecimento, ribombar de trovão que o superasse.
O eco fez dançar as telhas do Monte do Pomarinho.
O Boa-tarde, movido por uma força que julgou divina, parte
em correria desenfreada, perante a surpresa dos seus fiéis companheiros, os
cães, que atónicos tardiamente arrancaram no seu encalce.
Chegados ao olival do Mariano Albardeiro deparam com o dono
pendurado, por um arame de fardo de palha, de uma das pernadas mestra da única
oliveira cordovil.
Firmes nas suas patas traseiras esperam, por momentos, a
queda do Boa-tarde, mas logo verificaram essa impossibilidade.
O mais rápido parte, em ladrar desesperante, a caminho do
monte onde o Manuel do Pomarinho, já na rua tenta perceber aquela agitação. O
cão ao avistá-lo aumenta e modifica o seu ladrar, tentando dar a conhecer a sua
aflição, com pequenas corridas de vai vem, logo compreendidas pelo caseiro.
Contou este mais tarde que encontrou no Boa-tarde o mesmo
sorriso de sempre, de menino bondoso, gentil e respeitador.
Murmúrios de incrédula indignação correram todo o concelho
de Alandroal, duplamente avalizados pela quantia de dinheiro, vinte e oito mil
e quinhentos escudos, encontrados, após a sua morte, na carteira do Boa-tarde
e, pelo seu elevado grau de seriedade.
Os receios da dona Aldonça Godinho, a madrinha, assim como a
preocupação do seu pai, o Véstias de Borba, concretizaram-se.
A sua morte foi uma surpresa, pois ninguém com quem trocámos
impressões a seu respeito se convenceu que o Boa-tarde, pela sua vivência de
homem honesto e bondoso, embora sem preocupações, fosse capaz de semelhante
ato.
A verdade da sua morte morreu com ele.
Das pesquisas que fizemos em Bencatel, tivemos a sorte de
encontrar uma pessoa que com ele trabalhou na herdade do Baldio, que nos
confirmou tudo aquilo que já sabíamos, acrescentando que o Boa-tarde era boa
pessoa e nunca exigia nada dos patrões, - trabalhava
só pela comida, - disse-nos, com uma voz comovente e saudosa de quem
recorda um homem bom e um excelente companheiro.
Para nós limitamo-nos a relatar a sua história e a
homenagear este bondoso, sério e despretensioso homem, sempre sorridente, amigo
do seu amigo, que viveu à sua maneira, sem exigências de espécie alguma.
Concluímos pelos testemunhos que alcançámos que o Boa-tarde
viveu ao sabor do imprevisto, da aventura e da Natureza, tirando desta a maior
parte do seu parco sustento, que nos levou a compará-lo a um homem sem rumo, um
feliz errante, não merecedor daquele fim.
Helder Salgado.
14-04-2013.
Wednesday, March 06, 2013
PRIMEIRA PARTE DA ENTREVISTA CONCEDIDA PELO SR. PRESIDENTE DA CÂMARA DO ALANDROAL JOÃO GRILO
Durante estes três anos de mandato qual a situação que considera mais
positiva em beneficio do Concelho?
Estes três anos foram, provavelmente,
os mais difíceis para o Alandroal no pós-25 de Abril. A crise económica que se
abateu sobre o país teve está a ter aqui os seus reflexos. Houve, com certeza,
nos primeiros anos da democracia outros momentos difíceis, mas nunca o concelho
esteve tão fragilizado do ponto de vista financeiro para os enfrentar, até
porque o papel do município, assim como as expectativas dos munícipes eram
completamente diferentes nessas alturas.
Portanto, neste contexto, que era
a combinação perfeita para que tudo corresse mal e nós não fossemos mais do que
os “administradores da insolvência” de um município falido, conseguimos, com a
nossa actuação e as nossas respostas, assegurar o normal funcionamento da
instituição, aprofundar politicas educativas e culturais, melhorar respostas
sociais, estar mais perto dos munícipes na sua relação com a câmara municipal,
recuperar a confiança dos fornecedores locais e das associações do concelho. Ao
mesmo tempo, conseguimos concluir e pagar obras que estavam paradas ou em
andamento mas sem pagamentos efectuados e, portanto, condenadas a parar a curto
prazo. Lançámos e estamos a lançar novas obras e ao longo deste tempo
desenvolvemos um número considerável de novos projectos que apenas aguardam
financiamento. Estamos longe de ultrapassar todas as dificuldades e os tempos
vão continuar a ser difíceis mas começamos a ter “a casa arrumada” e a poder
olhar para o futuro com mais confiança.
O menos conseguido é que, por
força deste cenário de crise, algumas coisas – que não dependem de nós – tendem
a acontecer mais lentamente do que gostaríamos o que é frustrante para quem tem
urgência em fazer acontecer.
Por fim, embora tenhamos noção
que, em termos gerais, as pessoas do concelho compreendem e apoiam as nossas
prioridades e a nossa política, dentro da câmara – ao nível dos funcionários – a
mensagem tem sido mais difícil de passar e assumo isso como um dos aspectos
menos conseguidos. Por força do nosso esforço de reestruturação dos serviços e
redução dos custos internos e de funcionamento, a que temos recorrido para
manter os postos de trabalho e os vencimentos ao final do mês, pelas alterações
legislativas que têm estado associadas a limites nas horas extraordinárias e
ajudas de custos, a cortes nos salários e subsídios de férias e de natal, ao congelamento
nas carreiras ou a regras mais rígidas nas comparticipações nas despesas de
saúde. Num cenário de crise e de perda, generalizada, de poder de compra é, sem
margem de dúvida, mais difícil aceitar estas mudanças. Contudo, e apesar de
tudo, parece-me que as pessoas começam a perceber que só estamos a pensar no
futuro de todos.
Das prioridades que escolheu para resolução imediata quais foram as
concretizadas?
Desde logo o equilíbrio das
contas do município. Quando assumimos funções a câmara vivia uma situação de
absoluta emergência financeira com mais de 30 milhões de passivos totais
exigíveis através dos compromissos assumidos. Desse valor, pelo menos 17
milhões de euros eram dívida de curto prazo que podia e estava a ser exigida a
todo o momento pelos credores. Temos estado a fazer um percurso de eliminação
de compromissos assumidos, pagamento de dívida e consolidação de passivo. Em
cada um destes 4 anos de mandato, mais de um milhão de euros das nossas
receitas que devia ser para investimento terá sido para pagar dívida. Ainda
estamos a viver momentos difíceis, mas quando entrar em vigor o Plano de
Reequilíbrio Financeiro aprovado em Dezembro a dívida de curto prazo não
consolidada do município passará a zero, e os passivos totais serão pouco
superiores aos 18 milhões de euros. É um problema que vai demorar 20 anos a ser
resolvido, mas nestes 4 terão sido dados os passos necessários para que a
câmara possa funcionar e pagar a dívida acumulada sem comprometer o
desenvolvimento do concelho.
Por outro lado, quando assumimos
funções, a câmara era uma estrutura pesada, dispersa, desorganizada e gastadora
em todos os sentidos. A reorganização de serviços e da estrutura da câmara
permitiu reduzir custos de funcionamento, melhorar as respostas e embora este
seja um trabalho que nunca se pode considerar concluído, começamos a ver os
frutos dessa estratégia.
Mas isto não significa que já
tudo esteja bem. Este trabalho tem que continuar a ser desenvolvido. Tenho
noção, por exemplo, que o serviço de águas continua a ser uma fonte de
problemas na nossa relação com os munícipes. Estamos longe de estar satisfeitos
com isto e vamos continuar a introduzir alterações até as coisas funcionarem a
100%. E ainda há muito trabalho a fazer, por exemplo, no estaleiro municipal,
armazéns e arquivo.
E acima de tudo, a mais
importante das prioridades, porque dela dependem todas as outras, é a definição
de um rumo e uma estratégia de desenvolvimento para o concelho, o que não
existia. Houve uma aposta para além de todos os limites do razoável nas
“grandes obras”, dispersas, megalómanas, desequilibradas, para “encheram o
olho” à população e o ego de algumas pessoas e que serviram mais as vaidades
politicas que o desenvolvimento do concelho. Obras que se revelaram caras,
desajustadas das necessidades da população e que tem elevados custos de
manutenção que vão sempre ser um problema no futuro.
Nestes quatro anos invertemos
essa tendência e definimos uma verdadeira estratégia de recuperação e
reabilitação dos imóveis já existentes, como são exemplo, a antiga escola
primária do Alandroal e o antigo posto da guarda fiscal do Alandroal que agora
se destina ao novo quartel da GNR ou a escola primária de Terena, prestes a
entrar em obra. E
já temos em desenvolvimento projectos para a recuperação do antigo posto da
guarda fiscal de Montejuntos e das capelas de S. António em Alandroal e Terena
para desempenharem com dignidade as suas funções de capelas mortuárias.
Aquilo que somos em cada momento
é o somatório da nossa história de vida, da nossa formação e dos nossos valores.
Isso não muda por se estar num partido ou num movimento. O desempenho de
funções autárquicas aumenta a nossa sensibilidade para algumas questões, alarga
os nossos horizontes, mas a nossa essência mantém-se. Não preciso de fazer
parte de um partido para me sentir em paz com os meus valores ideológicos e
comigo mesmo. Sinto-me bem como independente e sei que sou respeitado por isso.
Foram três anos a lutar contra um
endividamento de tal modo pesado que todos os dias limita as nossas
possibilidades de actuação, três anos em que assistimos a sucessivas reduções
nas transferências do Estado para a autarquia ao mesmo tempo que as nossas
receitas directas de taxas e impostos diminuíam e éramos alvo de retenções e
penhoras de créditos de valores astronómicos para a nossa realidade por dívidas
do passado – o que ainda está a acontecer. E tudo isto num cenário de crise
nacional e internacional em que as pessoas estão mais desprotegidas e ainda
esperam mais da câmara municipal.
Algumas pessoas ainda não
perceberem a real dimensão do problema e pensam que tudo não passa de uma
guerra de números entre forças políticas. Mas a verdade não permite
interpretações duplas.
Por tudo isto, para mim, o mais
positivo destes três anos é, apesar de todas as dificuldades, termos uma câmara
a funcionar em pleno, a construir as bases sólidas para um futuro melhor, a
recuperar a sua credibilidade, bom nome e confiança das pessoas do concelho,
assim como credibilidade externa nas relações institucionais. E ainda considero
mais positivo que seja um movimento independente a liderar este processo com a
ajuda de muita gente, dentro e fora da câmara que coloca acima de tudo a sua
dedicação ao concelho.
E a menos conseguida ou até a mais frustrante?
Tem havido limitações e atrasos
na aprovação de financiamentos comunitários para alguns dos projectos que
desenvolvemos e que consideramos prioritários, como por exemplo a remodelação dos sistemas de água e saneamento
em todo o concelho ou a requalificação do caminho municipal 1109 entre Rosário
e Ferreira de Capelins, ambos prontos para avançar há quase 2 anos.
Por outro lado, a conjuntura
económica tem sido um obstáculo ao avanço de projectos privados, sobretudo na
área do turismo, que estão aprovados pela câmara, alguns até já têm
financiamento comunitário mas que demoram a sair do papel pelo clima de
incerteza com que os investidores se confrontam e que poderiam, muito rapidamente,
contribuir para a criação de emprego e para ajudar o concelho a afirmar-se como
destino turístico.
PUBLICADO EM 18 FEVEREIRO
Temos estado a introduzir
mecanismos de poupança que só não avançam mais rapidamente porque exigem
investimentos iniciais significativos, como é o caso da bomba de combustível
própria que já está em funcionamento e que permite uma poupança de 10 cêntimos
por litro de gasóleo.
Quanto ao património histórico,
assumimos como prioritária uma estratégia de intervenção e de recuperação como
factor decisivo para um desenvolvimento sustentado assente na economia cultural
e no turismo. Estamos a intervir no castelo do Alandroal, vamos restaurar a
“Fonte das Bicas” e recuperar a Capela da Boanova e estamos a desenvolver
projectos para que o património do concelho tenha um plano de recuperação
exequível e contínuo ao longo do tempo – algo que nunca aconteceu no passado! –
e estamos a preparar uma estratégia de incentivo à ocupação e reabilitação dos
centros históricos de Alandroal, Terena e Juromenha.
Destaco ainda a prioridade dada
ao desenvolvimento económico. Criámos eventos de promoção do concelho e das
suas actividades económicas que se estão a consolidar pela autenticidade,
qualidade e sustentabilidade. A “Mostra Gastronómica do Peixe do Rio” e o
Festival “Terras do Endovélico” estão a tornar o concelho conhecido pelo que
tem de melhor. Ajudámos a criar a primeira associação empresarial do Alandroal,
criámos um novo conjunto de incentivos à fixação de empresas e estamos a
estabelecer laços de cooperação com outros municípios, de onde destaco a
cooperação com Olivença que se vai traduzir na assinatura de um protocolo já no
próximo dia 19 com a presença de empresários dos dois concelhos.
Estas prioridades, assim como
outras em áreas tão diversas como a cultura, a acção social e a educação, a
eficiência energética, as acessibilidades e a mobilidade sustentável estão hoje
plasmadas num documento que contou com a participação de todos na sua
elaboração (Agenda 21 Local) e que orienta o desenvolvimento estratégico do
concelho para os próximos anos.
Politicamente optou por ser do PS e nessa força política foi militante.
Depois face às situações sobejamente conhecidas e que o levaram à fundação do
MUDA, qual é presentemente a sua orientação ideológica dominante?
Não quero falar do passado, mas o
tempo veio provar que estávamos certos nas posições que tomámos. Sabíamos quais
seriam as consequências disso ao nível do partido e sempre convivemos bem com
isso. Aliás, a cada dia que passa aumenta a nossa convicção de que não poderia
ser de outra maneira e cada vez são mais as pessoas que compreendem isso.
Neste momento representamos com
muito orgulho um movimento independente que mantém boas relações com todos os
partidos e isso é o mais importante porque quem ganha é o Alandroal.
PUBLICADO DIA 21 DE FEVEREIRO
Considera-se um político de carreira?
Pensa continuar mesmo que não venha a ser o próximo Presidente da Câmara
prosseguindo a vida politica? Isto é, aceitaria desempenhar o cargo de Vereador
mesmo se não vier a vencer as eleições?
Nunca
me poderia considerar um político de carreira porque fiz o meu percurso e a
minha carreira no ensino e num determinado momento senti que podia fazer uma
pausa nessa carreira e dedicar-me ao meu concelho. É isso que tenho estado a
fazer e só nesta perspectiva é que encaro a vida política. Só esta perspectiva
é que me permite que esteja de corpo e alma num projecto mas sempre pronto para
voltar a essa carreira se for necessário, sem me sentir refém de nada nem de
ninguém. Penso que já demonstrei que não estou agarrado a lugares nem a tentar
fazer carreira. O que me move são as convicções e é por elas que pretendo
continuar enquanto sentir que faz sentido. Em politica, como na vida, tão
importante como escolher o momento para entrar é saber escolher o momento para
sair. Espero vir a ter a sabedoria necessária para um dia não deixar passar
esse momento.
O
MUDA tem um projecto de desenvolvimento para o concelho que está longe de se
esgotar nestes quatro difíceis anos que agora terminam. Pelo contrário, é nos
próximos 4 a
8 anos que esperamos que todos, no concelho,
possamos colher os frutos deste trabalho. Como tal, não nos passa pela
cabeça que este ciclo fundamental para o futuro do concelho seja interrompido
antes do tempo. Mas isso, o povo é que, soberanamente, através do voto, vai
decidir. Qualquer pessoa que se apresenta a eleições tem que ter a humildade
para ocupar o lugar que os eleitores lhe reservarem. É uma das mais elementares
regras democráticas e de respeito pelos eleitores.
Acredita que consegue até ao fim do
Mandato colocar o Município a salvo do garrote das dívidas contraídas e que,
enquanto Presidente, poderá concretizar as medidas preconizadas na Agenda 21
Local?
Como já disse, os passos
necessários para isso já estão dados. Com a aprovação pela Assembleia Municipal
do Plano de Reequilíbrio do Município é só já uma questão de tempo até que o
mesmo seja uma realidade. Esse plano representa dificuldades e constrangimentos,
uma vez que ao longo de 20 anos vamos ter que amortizar mais de um milhão de
euros de dívida por ano – dinheiro que devia ser usado para o desenvolvimento
do concelho nos próximos mandatos – mas, apesar de tudo, este plano assegura
uma margem de investimentos que nos permite acreditar na implementação da
Agenda 21 Local. É nesse equilíbrio difícil entre pagar dívidas e fazer
investimentos que temos que construir o nosso futuro. Sendo certo que o “tempo
das vacas gordas” passou e hoje vivemos uma realidade completamente diferente
no país e no mundo. No Alandroal, em particular, as vacas nem sequer eram
gordas, estavam inchadas de endividamento para bem parecer. Nem somos tão
pobres como nos pintaram no passado nem tão ricos como recentemente nos
quiseram fazer parecer. Somos um concelho onde é preciso arregaçar as mangas,
falar menos e trabalhar mais!
Trace-nos um
brevíssimo diagnóstico para o Concelho do Alandroal em termos de presente? Acha
que temos um futuro prometedor?
Se não acreditasse num futuro prometedor para o concelho não
andava aqui.
Temos futuro porque somos um concelho que pela riqueza
natural e patrimonial, pela história e cultura, pelas acessibilidades e
proximidade com Espanha, por estar simultaneamente na Zona dos Mármores e em
Alqueva tem um potencial de desenvolvimento acima da média dos concelhos
vizinhos e dos concelhos do interior no geral, mas não há milagres. Só com
muito trabalho ao longo do tempo se pode concretizar essa realidade. Acredito
nessa realidade e nestes quase quatro anos fiz tudo para criar os “alicerces”
que nos aproximam dela. Gostava de continuar a dar o meu contributo para o
crescimento das “paredes” deste edifício nos próximos anos e um dia ver
concretizado o mais que merecido “telhado” para os nossos filhos e netos.
Porque acredito neste edifício chamado “Concelho do Alandroal”.
O que sempre faltou ao concelho foi trabalho sério e
estratégia de longo prazo.
Sempre ouvi dizer que “temos a vantagem de estar perto de
Espanha”, mas nunca vi ninguém fazer nada para tirar partido disso. Agora, pelo
contrário, estamos a trabalhar a sério
com Olivença e queremos chegar a Badajoz, Cáceres e Mérida. Nunca antes tinha
havido, do ponto de vista político, o mais pequeno esforço de aproximação.
Houve geminações com Cuba, Cabo Verde, Brasil que a única coisa que deixaram
foi grandes contas para pagar e nunca se olhou para o lado, onde os benefícios
para as populações podem ser simples e imediatos.
Sempre ouvi dizer que “o Endovélico é único no mundo e só
nosso” mas nunca vi ninguém fazer nada para o promover ou criar um museu.
Agora, pelo contrário, criámos o “Terras do Endovélico”, estamos a projectar o
museu, criámos o centro de estudos, estamos a apoiar publicações, escavações,
etc.
Sempre ouvi dizer que “temos um grande tradição no peixe do
rio e o nosso concelho é conhecido por
isso”, mas nunca vi ninguém fazer nada para promover essa tradição e com isso
trazer visitantes. Agora, pelo contrário, criámos a “Mostra Gastronómica” e já
se pode comer peixe do rio em todos os restaurantes do concelho (antes da
mostra havia um único a servir peixe) e a procura de peixe já permite a
existência de pescadores profissionais.
Sempre ouvi dizer que “os nossos monumentos, os nossos
castelos, são a nossa maior riqueza”, mas muito pouco se fez para os recuperar
e tornar atraentes para os visitantes. Vendeu-se gato por lebre até à exaustão
com “o concelho dos três castelos” que depois eram três ruínas que causavam – e
ainda causam –grande desilusão aos turistas. Agora, pelo contrário, temos um
plano contínuo de intervenções no património que já começou no castelo do
Alandroal, vai estender-se à fonte da praça e à Capela da Boanova, ao castelo
de Terena e à Misericórdia de Terena, Rocha da Mina, o Posto da Guarda Fiscal
de Montejuntos, para mencionar os que já tem trabalho em desenvolvimento.
Sempre ouvi dizer que “o nosso concelho tem um grande
potencial turístico, agrícola e agro-industrial” mas nunca vi a câmara fazer
nada de concreto para ajudar os empresários a construir essa realidade. Agora,
pelo contrário, ajudámos a criar uma associação empresarial, temos em
desenvolvimento investimentos comuns com a Associação de Beneficiários do
Lucefecit, estamos a estabelecer pontes com Espanha e com outros países da
Europa, e tudo sem sair de cá! É verdade que é o momento mais difícil para este
trabalho, mas por isso mesmo é que não podemos perder mais tempo.
E podia continuar com o “sempre ouvi dizer” e “nunca vi
fazer”. Porquê? Ajudem-me a responder os que puderem, mas a verdade é que
estava tudo aí, à espera de ser feito. É claro que os resultados de uma
estratégia deste tipo demoram a aparecer. Não dão votos no imediato. É um risco
para quem governa mas é o que o concelho precisa. E sempre se apostou em
estratégias mais “seguras” de curto prazo. Mas imagine onde estaríamos hoje se
todas estas estratégias de desenvolvimento tivessem sido começadas há 30, 20 ou
mesmo 10 anos atrás!
Mais vale tarde que nunca – teremos que dizer – mas está
aqui grande parte da explicação para o nosso atraso histórico em relação aos
concelhos vizinhos.
Em que situação estão
as obras da Biblioteca Municipal? E já agora que utilidade se pretende dar ao
Parque onde se fizeram as Expo-Guadiana?
A obra da biblioteca municipal começou em 3 de Junho de 2005
e tinha um prazo de execução de um ano. Tinha um custo total de cerca de 1,5
milhões de euros. Financiada a 50% pelo Terceiro Quadro Comunitário de Apoio
(QCAIII) e 45% pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas (IPLB), à
câmara correspondia apenas 5%, ou seja 75 mil euros.
Os projectos do QCAIII tinham que ser executados até à data
final de encerramento do quadro comunitário, Junho de 2009, o que não se veio a
verificar.
Portanto, hoje, a situação é a seguinte: precisamos ainda de
mais de 500 mil euros para concluir a obra e estamos a ser pressionados pela
CCDR para devolver mais de 360 mil euros de financiamento recebido. Ou seja,
uma obra que teria custado à câmara 75 mil euros se tivesse sido concluída no
prazo previsto (ou mesmo em quatro vezes o prazo previsto!) exige, hoje, para
ser concluída quase um milhão de euros dos escassos recursos da câmara. É esta
a dimensão do problema.
Quanto ao chamado “parque de feiras e exposições” é de longe
o local onde, ao longo do tempo, das mais diversas formas, mais dinheiro “se
enterrou”.
É impossível calcular com exactidão tudo o que ali se
gastou: custo do terreno, sucessivas terraplanagens e instalação de
equipamentos eléctricos (cada vez que havia uma feira), aluguer de tendas e
outros equipamentos, construção de vedações (foram feitas pelo menos duas, a
última em 2009), etc. Foram milhões que não se traduziram em nada.
Para além disso, o projecto de um “mega-pavilhão de eventos”
no parque de feiras estava totalmente desajustado da nossa realidade como se
tem provado em concelhos vizinhos. O actual quadro comunitário já não estava
orientado para financiar projectos deste tipo e o que se conhece do próximo,
ainda menos.
Hoje temos em desenvolvimento um estudo prévio que
oportunamente será apresentado à população para discussão e que prevê uma total
inversão da filosofia do espaço numa lógica de “parque verde” com espaço para a
praça de touros e um picadeiro com escola de equitação (numa lógica de
concessão privada), jardins, circuito de manutenção, “skate-park”, hortas
comunitárias, etc.
PUBLICADO A 28 Fevereiro 2013-02-27
Pode
adiantar-nos algo mais sobre o andamento
das Comemorações dos Forais?
Este era outro assunto que estava totalmente esquecido e que
não podemos deixar de assinalar com a devida dignidade pela sua importância
histórica e pela circunstância de termos três forais num único concelho. As
Comemorações dos 500 Anos dos Forais Manuelinos de Juromenha, Terena e
Alandroal estão a decorrer de Outubro de 2012 a Janeiro de 2016 com os principais
eventos agendados para o período de Outubro de 2014 a Outubro de 2015. Já
está constituída uma comissão “ad hoc” para orientar científica e culturalmente
os trabalhos, estão estabelecidos os contactos com o Arquivo Nacional da Torre
do Tombo para o restauro dos exemplares do município e contamos apresentar o
programa das comemorações muito em breve em data e local a designar. As
comemorações envolvem o restauro dos originais, uma edição “fac simile”
conjunta dos 3 forais e podem ainda
envolver recriações históricas, conferências, exposições e outros momentos
distribuídos pelas três localidades do concelho.
Esclareça-nos sobre o
projecto “Endovelico”? As pessoas
continuam envolvidas?
O projecto “Endovélico” é e continuará a ser uma das nossas
grandes prioridades. Como traço cultural, é um dos nossos principais factores
de diferenciação e de afirmação mas a verdade é que, mesmo dentro do concelho,
ainda muitas pessoas desconhecem a real importância que este deus e o seu culto
teve no contexto da Lusitânia romana.
Neste mandato desenvolvemos o estudo prévio do centro
interpretativo/museu em colaboração com o Museu Nacional de Arqueologia e
contamos apresentar o projecto definitivo em Julho próximo. Será um espaço onde
o espólio do Endovélico terá um lugar central mas muito interactivo, capaz de
mostrar às crianças e jovens das escolas o que era a vida romana no nosso
território há 2000 anos atrás. Será também um verdadeiro museu do concelho com
uma forte componente etnográfica e da relação com a fronteira. Contamos que
seja um espaço capaz de atrair de forma contínua um número significativo de
visitantes com destaque para estudantes de todo o país mas também de Espanha.
Lançámos o Festival “Terras do Endovélico”, que terá este
ano a sua terceira edição, num formato que conjuga a promoção cultural com a
feira de actividades económicas, num modelo muito sustentável mas que procura
ser o ponto alto da afirmação do território.
Criámos o “Centro de Estudos do Endovélico” que está a
juntar os especialistas na orientação científica do projecto do museu, mas
também a criar outras dinâmicas, com destaque para o programa educativo que vai
levar a arqueologia até às escolas e a todas as crianças do concelho.
Estamos a desenvolver um documentário sobre as “Terras do
Endóvelico” (para apresentar em Julho), financiado por fundos comunitários, e
que será um importante cartão de visita do concelho.
Fruto do trabalho do centro, teremos, também em Julho um
congresso científico que vai juntar todos os investigadores nacionais e
internacionais da temática. As comunicações deste congresso darão corpo à
primeira edição dos “Cadernos do Endovélico” que ao longo do tempo continuarão
a nova produção científica e a enriquecer o centro de estudo.
Para nós o mais importante é que as crianças e as pessoas do
concelho conheçam e valorizem este legado histórico e cultural. Só assim
poderemos aumentar a nossa auto-estima em relação ao concelho e à sua riqueza
cultural e transmitir aos visitantes.
Como parte desta estratégia posso adiantar que, antecedendo
o congresso de Julho, a câmara vai organizar um conjunto de visitas guiadas de
pequenos grupos ao Museu Nacional de Arqueologia para que conheçam a real
importância deste legado no contexto da Arqueologia nacional.
PUBLICADO 04 Março 2013-03-04
PUBLICADO EM 11 MARÇO 2013
Em recentes
declarações, esclareceu que voltaria a candidatar-se, se para tal reunisse o
consenso do MUDA. Dando como certa tal anuência e sabendo as dificuldades que
se prevêem para os próximos anos, dada a contingência da extinção do Concelho
(vide o que sucedeu recentemente com as freguesias), não teme que um segundo
mandato possa vir a colocá-lo como o último Presidente da Câmara do Alandroal?
Penso que a fusão de
municípios fará sentido em áreas densamente povoadas, onde quase não se percebe
onde acaba um concelho e começa outro – como as áreas metropolitanas de Lisboa
e Porto – onde seria possível uma grande poupança com grandes ganhos de escala
já que existem maiores dinâmicas empresariais e da sociedade civil e onde os
serviços do Estado estão bem presentes. Nos territórios do interior, onde as
câmaras municipais, mercê do desinvestimento de sucessivos governos, são a
única resposta para as populações e ao mesmo tempo as grandes impulsionadoras
das dinâmicas locais, extinguir municípios é condenar os territórios a sofrerem
uma desertificação ainda mais rápida e destrutiva.
E não podemos aceitar
argumentos de poupança, já que o esforço do Estado é mínimo comparando com tudo
o que se consegue aqui fazer pela vida das pessoas com esse dinheiro. Os males
da nação estão bem identificados no buraco da Madeira, no défice crónico e
crescente das grandes empresas públicas, nas PPP’s e nos BPN’s, entre outros. O
dinheiro que aqui recebemos do estado é mais do que devido. Não só resulta dos
nossos impostos com também nos nossos territórios estão os recursos naturais,
as áreas protegidas, os montados, as barragens, a RAN e a REN... As populações
do interior pagam um preço elevado para que Portugal mantenha bons indicadores
ambientais e o único que pedem em troca é que sejam compensadas na devida
medida em relação à riqueza que produzem e que encerram e não que sejam olhadas
com a desconfiança de quem está a pedir para gastar o que outros pagaram em
impostos.
Para alem disso,
nestes territórios que
estão a ser abandonados à sua sorte está tudo o que Portugal tem de único e
irrepetível em qualquer lado do mundo e com potencial para ajudar a construir
um futuro sustentável. Está o que resta de cultura e tradições milenares de um
modo de vida em equilíbrio com a Natureza, que para além de ser factor decisivo
de identidade e afirmação é um factor económico de peso.
Temo que o Alandroal
possa vir a estar numa posição mais fragilizada do que devia no momento em que
a questão vier um dia para cima da mesa. A sucessiva falta de estratégia de
desenvolvimento e a situação de endividamento crónico em que ficámos retira-nos
alguma capacidade de argumentação.
É por isso que é
importante mostrarmos hoje que sabemos para onde queremos ir, que temos
parcerias estratégicas com os nossos vizinhos que ajudam a construir esse
caminho. Que temos valor e potencial económico. Que somos rigorosos na
aplicação de fundos comunitários. Que fazemos trabalho sério e consistente e
que, como tal, devemos ser respeitados pelo poder central e por todos os
organismos do Estado. Temos que mostrar que vale a pena continuar a pensar o
Alandroal como um território com identidade, potencial e futuro. E que há lugar
neste processo para todos os que queiram dar o seu contributo.
Esta pode muito bem
ser a nossa última oportunidade de mostrar isso e fazer um ponto de viragem
neste concelho. Temos que mostrar que a nossa continuidade enquanto concelho
não pode ser posta em causa.
E se não o conseguirmos, seremos todos responsáveis. Uns mais
que outros, é claro, em função das responsabilidades e do poder de intervenção.
Portanto a questão de fundo é quem se vai demitir de fazer parte deste
processo!
A terminar: dê-nos a
sua opinião sobre o papel dos blogues e sites do Alandroal e, se assim o
entender sobre o papel que o Al Tejo tem vindo a desenvolver.
Os blogues podem ser
importantes meios de comunicação, e é por isso que desde o início deste
mandato, a Câmara Municipal adoptou a postura de enviar informação da
actividade do município para os blogues mais conhecidos da sede de concelho
colocando-os em pé de igualdade com qualquer meio de comunicação social, até
porque, esses meios não existem no concelho e estes acabam por ser uma
importante fonte de informação.
Entre as pessoas ou
instituições e os meios de comunicação social, por força do seu código
deontológico, existe, regra geral, um respeito mútuo e uma partilha de
responsabilidades que funciona como garantia dos direitos e liberdades e da
livre expressão de cada um. Nos blogues isto não está assegurado. As únicas
garantias que podem existir são as que resultam dos critérios, mais ou menos
claros, do editor.
Não nos podemos
esquecer que os direitos e liberdades de uns terminam necessariamente onde
começam a colidir com os direitos e liberdades de outros.
Admiro e respeito
todas as pessoas que nos blogues dão a sua opinião e escrevem o seu verdadeiro
nome por baixo. Como alguém disse um dia, “posso não concordar com o que dizes,
mas bater-me-ei até ao fim pelo teu direito a dizê-lo!”
Infelizmente para todos
nós, noto que os nossos blogues estão longe de cumprir esta missão.
Ao contrario do que
muitos defendem, o anonimato
não serve a livre expressão.
A pretexto da
“liberdade”, da “livre expressão” ou da “imparcialidade” não se pode dar espaço
às mais cobardes formas de espalhar o boato, a mentira e a difamação.
Os blogues perdem
assim o seu carácter informativo e transformam-se em espaços e instrumentos que
contribuem activamente para um ambiente revanchista, destrutivo, de
“bota-abaixo” e de destilar de ódios que só serve interesses obscuros mas ao
mesmo tempo identificáveis.
Ninguém que queira
fazer um trabalho de comunicação sério pode deixar-se usar como instrumento
desta estratégia.
Quem quer ser
respeitado deve dar-se ao respeito. Qualquer editor não se pode distanciar de
qualquer conteúdo do seu blogue ainda que seja um comentário. Se os blogues
querem fazer um trabalho sério e ser respeitados por isso comecem por dar o
exemplo: Acabem de vez com comentários anónimos e de gente que não se
identifica publicamente.
Portanto, penso que o
AL-TEJO tem sido um importante meio na difusão do concelho e do que nele
acontece, que o tem feito de forma imparcial e abrangente, que dá espaço a
opiniões diversas e bem identificadas e que já fez um importante percurso na
forma de lidar com os comentários anónimos.
Falta dar mais um passo. Falta acabar de vez com esses comentários que poluem
uma imagem quase irrepreensível. Deixo aqui esse desafio ao editor.
Caso o entenda
necessário e se for de acrescentar e informar algo
mais sobre o Concelho,
faça o favor. Via aberta.
Muito se tem feito
neste mandato para colocar o concelho no rumo certo. Mas é incomparavelmente
mais o que está por fazer do que aquilo que está feito.
Não temos medo da
crítica. Vivemos bem com ela e é ela que nos ajuda a melhorar. Acedi a dar esta
entrevista neste espaço sabendo que ela ia ser alvo de grande escrutínio local,
e é perfeitamente identificável o que são críticas sérias, consistentes e com
fundamento – porque sabemos que erramos e nem sempre conseguimos ver todos os
lados de um problema – e o que é politiquice baixa e fundamentalismo bacoco. É
esta última parte que está a mais nos blogues e no nosso dia a dia.
Somos uma comunidade
pequena e frágil que deve estar fortemente unida nos desafios que tem pela
frente.
Aproxima-se um momento
eleitoral que vai ser vivido no mais difícil cenário de crise e dificuldades de
que temos memória recente.
Os alandroalenses vão
ter que fazer escolhas. E vão ter que escolher entre opções de futuro bem diferentes
e bem identificadas.
Será mais um momento
para o Alandroal demonstrar a sua cultura democrática e tenho a certeza que o
vamos fazer da melhor forma, mas deixo um apelo.
Não deixem que a
politica vos divida. Não deixem que alguns políticos vos dividam. Não deixem
que vos coloquem uns contra os outros. Não deixem que a politica crie barreiras
entre familiares, vizinhos, colegas de trabalho, etc.
Tenham “adversários
políticos”, não tenham “inimigos políticos”.
Critiquem, perguntem,
interessem-se! Queiram saber! Informem-se a fundo. Não se deixem ficar pela
superfície e pelo “diz que disse”.
E depois façam as
vossas opções, votem em consciência.
Uma comunidade
distingue-se pelos valores que pratica e não pelos que apregoa.
Penso que o
crescimento deste espírito no concelho tem sido um dos grandes contributos do
MUDA e é também por aqui o Alandroal deve aproximar-se mais do “quem de ti se
fiar não o enganes, lealdade em todas as cousas”.
PUBLICADO EM 11 MARÇO 2013
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