Tuesday, July 24, 2012

CASTELO DO ALANDROAL VII SÉCULOS


Al Tejo continua a homenagear a memória do Vicente Roma.
Depois de lhe transcrevermos = O USUFRUTO DE UM CASTELO POR UMA POPULAÇÃO – O CASO DO CASTELO DO ALANDROAL E DA VILA DO ALANDROAL – inserido no Livro Castelo do Alandroal VII Séculos, (e que a partir de agora pode ler na integra no Blogue AL SUL -  http://alsul.blogspot.pt/ – vamos passar a transcrever: O CASTELO DO ALANDROAL E DOIS ALCAIDES CANTADOS NOS LUSÍADAS
A importância conferida por Fernão Lopes na Crónica D. João I a Pêro Rodrigues, o Alcaide do Alandroal com papel decisivo na Crise de 1383/85
Chico Manuel

             O Castelo do Alandroal e dois Alcaides cantados nos Lusíadas
A importância conferida por Fernão Lopes, na crónica D. João I a Pêro Rodrigues,           o Alcaide do Alandroal com papel decisivo na crise de 1383/85

O cronista Fernão Lopes, na sua famosíssima Crónica de D. João I, cita tantas vezes o Alandroal que o historiador José Hermano Saraiva diz, num pequeno estudo que antecede uma das edições da obra que «depois de Lisboa, é o Alandroal, uma obscura vila do Alentejo, que mais vezes é referida». À parte as adjectivações, não deixa de ser sintomática a constatação.
Tem um honroso lugar de destaque na Crónica, Pêro Rodrigues, Alcaide do Castelo de Alandroal por altura da crise de 1383-85: Nove capítulos precisamente do 97 ao 105, referem as vicissitudes porque passa o alcaide e a população, os ataques de Castela, as traições dos vizinhos, a solidariedade de e para com os amigos, a sua indefectível lealdade para com o Mestre de Aviz e o Condestável Nuno Álvares Pereira por entre as tergiversações  de outros.
Em Pêro Rodrigues depositam confiança o Mestre de Aviz, aclamado Rei de Portugal, o Comandante de suas hostes no Alentejo, Nuno Álvares, e todos aqueles que são vítimas de Castela e de traições. A ele outros recorrem sempre, para aconselhamento, quando estão em perigo, eles ou as suas fazendas, ou ainda Portugal. A ele propõem, reverentes, e ela aceita, a chefia das acometidas bélicas ou na organização defensiva.
O Alcaide nunca os desilude ainda que arriscando a vida, a sua chefia, isto é, não decide sem ouviras opiniões dos seus capitães que chefia, mas assume a total responsabilidade pelas decisões que toma. É aquilo que hoje se chama líder democrático, sendo certo que também era carismático, atributos nem sempre fáceis de encontrar nos líderes de ontem e de hoje,
É justo na repartição dos despojos e desapegado em relação aos quinhões que lhe cabe como comandante, prescindindo dele e repartindo-o pelos mais necessitados ou anteriormente prejudicados de modo a ressarci-los. É estratega brilhante que inspira e faz inspirar confiança  a D. João. A Nuno Álvares, aos seus conterrâneos e aos vizinhos e põe em rspeito o inimigo porque, no Alandroal, apesar de apenas armados com estevas aguçadas – todos aqueles a quem não era possível distribuir verdadeiras armas , - tanto corriam os de pé como os de cavalo . Gere com parcimónia mas com sabedoria os escassos recursos humanos e materiais de que dispõe (a escassez de meios é evidente se comparada, por exemplo com as possibilidades de Vila Viçosa e de Olivença).

A relevância dada por Luís de Camões n´Os Lusíadas a Pêro Rodrigues
Como é sabido, a Crónica de D. João I  de Fernão Lopes serve de fonte para os Lusíadas de Luís de Camões. Este dá grande relevo a Pêro Rodrigues e ao Alandroal, cantando a valentia, a esteoutro capitão de pouca gente , dedicando-lhe na totalidade , a estância 33 do Canto VIII do seu Poema Épico, cujo último verso diz; Pêro Rodrigues é do Landroal.

Na mesma guerra vê que presas ganha
Estoutro capitão de pouca gente;
Comendadores vence e o gado apanha
Que levavam roubado ousadamente.
Outra vez vê que a lança em sangue banha
Destes, só por livrar, co amor ardente,
O preso por amigo, o preso por leal;
Pêro Rodrigues é do Landroal.

Os Lusíadas, canto VIII, estancia 33

Mais tarde, outro Alcaide deixará o seu nome indelevelmente ligado à História pátria, não tanto pelos feitos aqui feitos - os tempos eram outros, não já de defesa do solo pátrio mas de alargamento do império – mas pelos desenrolados em terras do longínquo Oriente onde nos perdemos e nos achámos. De seu nome Diogo Lopes de Sequeira, na senda de Lopo Soares de Albergaria, a quem sucedeu, e de outros, este Governador da índia, o quarto, tal como o seu antecessor, alcaide do Alandroal, Pêro Rodrigues, arremete contra inimigos, não já de Castela, nem já para defender   o solo pátrio ou a independência, mas para alargar a fé e o império em terras da Ásia, de Goa até Malaca.
Camões não esquece no seu poema épico:

Também Sequeira, as ondas Eritreias
Dividindo, abrirá novo caminho.
Para ti, grande Império, que te arreias
De seres de Candace  e Sabá ninho.
Maçuá com cisternas de águas cheias,
Verá, e o porto Arquico ali vizinho;
E fará descobrir remotas Ilhas,
Que dão ao Mundo novas maravilhas

Os Lusíadas, Canto X, estância 32

 Diogo Lopes de Sequeira regressa ao Alandroal e aqui morre e é sepultado, em campa rasa, na Capela de Nossa Senhora da Conceição, para a qual traz uma imagem da Virgem, feita na Índia, em tempos muito venerada, a qual até há pouco tempo integrava as procissões dos Passos e do Enterro do Senhor nas cerimónias da Semana Santa.
Os nomes de Diogo Lopes de Sequeira e Pêro Rodrigues integram a toponímica local resistindo à avalanche de nomes sonantes da Primeira Republica que destronaram nomes ilustres da História.
O mesmo acontece com D. Nuno Álvares Pereira que dá o seu nome a uma das tais ruazinhas que escorrega do Castelo para as baixas da vila. Mas o mesmo já não acontece com D. João I, O Mestre de Aviz, que teve nome de Rua até há duas dezenas de anos e que a Câmara Municipal do Alandroal entendeu substituir pelo de um médico ilustre desta terra, de seu nome Manuel Viana Xavier Rodrigues, sem que ao menos mantivesse a referência ou lhe t ao nome antigo ou lhe tivesse encontrado outro espaço merecedor. Não estando em causa a justeza da homenagem ao médico e impulsionador dos estudos pós-primários no Alandroal, está bem de ver, trata-se de uma lacuna que facilmente se resolverá, estou certo disso, mas é preciso lembrá-lo aqui e agora, tanto mais que o Castelo do Alandroal pertenceu à ordem de Aviz.
Uma revisão da toponímia que é urgente fazer no Alandroal deverá equacionar estes e outros aspectos da História, identificadores de identidades culturais locais e ilustradores também para quem nos visita, sobretudo numa altura de incremento da fileira de turismo que o Alandroal pode oferecer.
Ainda a este propósito bem parecia, e à História far-se-ia justiça, que o nome de D. Dinis, o nosso Rei Lavrador, que o Castelo mandou construir, figurasse  em artéria condigna do burgo.
Voltando ainda aos dois Alcaides que nos tem ocupado, registe-se com agrado que o antigo Externato do Alandroal, escola de ensino particular que desapareceu naturalmente com o advento do ensino oficial a nível  pós-primário, já depois de 25 de Abril de 1974, tinha o nome de Externato Diogo Lopes de Sequeira e que tal nome transitou para o do Patrono da Escola Oficial, neste momento existente, por proposta de antigos alunos daquele colégio.
Quanto ao nome de Pêro Rodrigues, foi título de um jornal local que, não obstante ter deixado de ser editado no Alandroal porque o seu proprietário, editor e director se mudou para Évora, não perdeu contudo o nome, enquanto se editou em Évora.
Também um clube de Futebol existiu no Alandroal que adoptou o nome de Pêro Rodrigues.
Se tudo isto se refere, é para sublinhar a tal ligação umbilical das gentes com história pátria e local que, bem entendido, nem todos os Alandroalenses – diria até só muito poucos – conhecerão.
Com efeito, teria que ser sobretudo a escola a trazer à luz este passado submerso.

À guisa de conclusão e um atrevimento prospectivo

A perspectiva subjacente a esta comunicação foge ao escopo histórico. Não sendo o seu responsável historiador, mas sin sociólogo, ainda assim teve o atrevimento de corresponder positivamente a um convite de colaboração na série de comunicações em boa hora promovida pela Junta de Freguesia de Alandroal e pela Câmara Municipal de Alandroal, sob o pretexto das comemorações do sétimo centenário da edificação do Castelo da vila do Alandroal.
Desde logo assistiu-nos o entendimento de que quaisquer comemorações da existência de um castelo não se esgotariam no seu enquadramento histórico, ainda que rica fosse a sua história, e a todos os títulos merecedora fosse de adequada investigação, divulgação e até vulgarização,
Os castelos são - ou deveriam ser – elementos do património edificado vivenciado e não temporalmente cristalizado: Isto é, os castelos deveriam ser um local de culto e de cultos e não um comum amontoado de pedras  intocável que apenas nos dizem que por ali passou história, sem se saber qual, mas não nos mostram  a (con)vivência das gentes que, ex ante, foram a razão de ser da sua edificação e, ex post, o seu sustentáculo vivo.
Há castelos que existem por si com o deserto à volta. Há castelos que coexistem com a sua verdadeira razão de ser: a população que sempre os amparou e se manteve sob a sua proteção tutelar.
O caso do Castelo Do Alandroal é paradigmático no que diz respeito à simbiose população-castelo ou, se quisermos – e não se entenda isto como um mero jogo de palavras castelo- população. E porquê? Porque não sendo, não tendo sido, a vila do Alandroal uma vila acastelada, no sentido de que a sua população estaria concentrada adentro do acastelamento, o Alandroal é sem dúvida, o exemplo perfeito de um aglomerado populacional envolvente de uma fortificação que perdendo embora, como todas, a função estratégica de defesa militar tout court
Terá ganho a função estratégica, também ela,  de manutenção populacional de uma comunidade.
Parece-nos que este aspecto é singularmente importante. Pelo menos durante sete séculos uma população viveu aqui neste lugar, sem altos e baixos demográficos significativos em termos relativos. Quer isto dizer que a evolução demográfica da vila do Alandroal acompanhou a evolução registada no meio, apenas sofrendo os traumatismos, positivos e negativos que outras povoações também sofriam e não qualquer efeito positivo ou negativo peculiar.
O que distingue a vila do Alandroal e é objecto de interesse, é que, situando-se nos limites mínimos, ao contrário do que seria de esperar, soube mantê-los, não perdendo importância administrativa, consolidando a importância económica, sem grandes desenvolvimentos, é certo - mas  também nunca os teve – e preservando a idiossincrasia cultural que é sua, tendo sabido compreender o que se passa para lá dos seus limites de vila, entendendo as peculiaridades do concelho de que é capital, sem atitudes auto ou heterofágicas,  mau grado as influencias sempre exercidas pelos concelhos limítrofes que tendem a esmagar a economia, a visibilidade e a notoriedade da vila e do concelho de Alandroal

O que é que isto tem a ver com o Castelo? Provavelmente nada. O que muito modestamente se pretende revelar é que a ordem natural das coisas teria remetido o Alandroal para o seio das micropulações, hoje deificadas, com o seu castelo feitiche-  mas nem  isso por isso deixando de ser cristalizadas, económica, social e culturalmente – que, se nos é permitida a citação, hoje muito conhecida  através de Herman José, não passam de vilas com seu castelo altaneiro. Esta não.
A oportunidade para discorrer sobre o Castelo do Alandroal no ano em que comemora os sete séculos, ademais numa perspectiva não histórica ou, se quisermos numa perspectiva não predominante histórica, remete-nos, quer queiramos quer não, para análise sobre o status quo
actual no que ao castelo diz respeito e, por extensão, ao Alandroal, vila e concelho.
Apenas uma simples reflexão susceptível de induzir análises prospectivas que inexoravelmente terão que ser feitas a breve trecho, sob pena de se perderem oportunidades como se têm vindo a perder.
O concelho do Alandroal tem três vilas cada uma com seu castelo: Alandroal, Terena e Juromenha. Aqui há alguns anos, tive oportunidade de propor informalmente à Câmara Municipal uma espécie de slogan promocional para a vertente histórica que seria precisamente este: Alandroal – Um Concelho, três Castelos.
Tenho verificado que continua a ser adaptado, com alguma timidez, é certo, e que a ideia tem pernas para andar,
Haveria que proceder a estratégias consistentes, sistemáticas e oportunas no sentido de conseguir dar maior visibilidade e notoriedade ao concelho do Alandroal.
Este aspecto, para lá de atrair atenções do exterior, contribuiria para dar mais consistência a estratégias de coesão interna dos alandroalenses, lato sensu, isto é, dos que habitam a vila e o concelho. Considero este aspecto muito importante: os alandroalenses  têm  que sentir orgulho da sua terra  e acreditarem em si próprios. Talvez o grande mérito do conhecimento do passado e o aproveitamento dos seus vestígios materiais e espirituais seja o de contribuir exactamente para isso. Todavia, nada se fará sem o respeito pelo que existe. E neste aspecto muito haveria que dizer sobre a incúria dos homens com responsabilidades, ao longo dos anos, nesta to que ser discutidas –: não é aqui nem agora o momento para o fazer. É apenas o momento – porque o tempo urge – de lançar o repto para uma futura discussão – porque estas coisas têm mesmo que ser discutidas – sobre as inadiáveis tarefas que é urgente levar a cabo no sentido de. Primeiro: preservar, com esmero, o que se tem: segundo: potenciar, com inteligência, o património, o edificado e o outro, aquele que não se vê e que menos resiste à erosão da ignorância, mas no fundo o mais importante, e que mais depressa e mais facilmente, se perde numa sociedade mediatizada e num mundo globalizado que tende para as unificações de novas culturas emergentes, com impactos negativos na idiossincrasias próprias; terceiro: associar tudo isto ao crescimento económico e ao desenvolvimento sócio cultural endógenos.
A grande virtude do Alandroal, se me é permitida esta análise, resulta não tanto do que tem sido feito ao longo de séculos, mas, paradoxalmente, do que não tem sido feito. É neste marasmo de dolce far niente que tem vindo a conservar uma vila que corre o grave risco de ser apenas pitoresca. Durante anos pouco se fez, daí que não se tenham cometido muitas asneiras. No último quarto de século, as mudanças aceleradas que têm caracterizado a sociedade portuguesa, não tendo os impactos negativos por acção que se verificam noutros sítios têm tido repercussões negativas por omissão. Pouco ou nada se tem feito para dignificar o património, em particular o Castelo, no fundo e centro da razão de ser desta conversa e, obviamente, a envolvente arquitectónica e urbanista..
Os alandroalenses, todos, mas em particular as entidades, têm obrigação de não só não delapidar ou não permitir que se delapide, a herança cultural, mas sobretudo, de legar às gerações vindouras a valorização do que receberam, já que elas, quer queiramos quer não, a todos julgarão. Talvez a grande referencia, ainda e sempre seja um simples Castelo mais a comunidade que o envolve.
Vicente Roma


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