Introdução Tira Picos
Chico Manuel
PRÓLOGO
Se chegarem ao Alandroal e perguntarem pelo Sr. Barnabé da Silva Carrilho Soares, certamente ninguém saberá dizer de quem se trata. Mas, se conhecem o TIRA-PICOS, dizem-lhe logo: ah... o que está casado com a PARDALEIRA.
O TIRA-PICOS é uma daquelas figuras típicas, tão vulgares em cada terra, que são conhecidas, quer pelos seus feitos, quer pela maneira como sabem integrar-se no dia a dia da terra onde habitam.
Não quis o Criador dotá-lo de grande inteligência, mas em contrapartida, talvez devido às dificuldades que passou durante a infância, criou uma espécie de carapaça que sempre o foi protegendo das “armadilhas “ que a vida tece.
O seu nascimento foi logo um acontecimento muito comentado na Vila. Nasceu no mês de Dezembro, e de cabeça aberta. Vejam lá que oito dias antes do parto, a mãe foi ao quintal carregar um madeiro para o lume, mas com tamanha falta de jeito, que encostou o madeiro à proeminente barriga, e, dizem as más-línguas que abriu a cabeça ao feto. De tal maneira que segundo a Parteira, o “menino” deixaria este mundo, antes do pôr-do-sol.
Logo ali, o TIRA-PICOS mostrou que não ia nas conversas dos outros, e, embora ficasse com a cabeça parecida com uma rampa de skait, o certo é que sobreviveu, e goza ainda de excelente saúde.
Teve uma infância como todos os outros da sua idade, pese embora que quando as “brincas” eram touradas, ele fosse sempre o boi, assim como no “jogo da bola” fosse sempre o guarda-redes. No entanto se fosse a “ir aos ninhos”, “apanhar pássaros” ou “ir roubar uvas” não havia quem lhe levasse a melhor.
Demorou seis anos para tirar a quarta classe...mas o certo é que a tirou.
Pouco lhe valeu...pois todos os empregos tentados nenhum deu certo. Experimentou ser empregado de balcão na loja do Custódio, mas não deu certo, pois quando lhe pediram “uma quarta de sabão” foi buscar um cântaro que encheu de sabão, e o pior é que quando um dia viu a filha do patrão no confessionário do Padre Estêvão, foi avisar o dito que a filha andava a espreitar o Padre quando ia mijar. Foi despedido...
Tentou a Guarda.... Mas quando do exame escrito, a pergunta indagava três cidades do Alentejo, e qual a capital, o amigo TIRA –PICOS responde: Estremoz, Borba e Vila Viçosa, e a capital Alandroal.
Ainda experimentou ser Carteiro, e até se ia safando, com a ajuda dos conterrâneos, enquanto se limitou ao Alandroal, o pior foi que um dia foi fazer serviço a Estremoz, e no Bairro da Cruz Vermelha, perguntou a uma Cigana se conhecia Fulana, e a Cigana se prontificou a levar todo o correio para o bairro... que ela entregava. Ainda hoje as pessoas estão esperando pelas cartas. Constitui mistério para muita gente como é que o TIRA-PICOS, conseguiu “puxar” namoro à Maria Amélia, moçoila bem apessoada, que vivia com seus pais no Monte da Bujarda lá para as bandas de Pardais.
Certo é que após várias peripécias, que futuramente irei contar o TIRA-PICOS, namorou, casou e teve filhos, e lá se vai safando....
Se chegarem ao Alandroal e perguntarem pelo Sr. Barnabé da Silva Carrilho Soares, certamente ninguém saberá dizer de quem se trata. Mas, se conhecem o TIRA-PICOS, dizem-lhe logo: ah... o que está casado com a PARDALEIRA.
O TIRA-PICOS é uma daquelas figuras típicas, tão vulgares em cada terra, que são conhecidas, quer pelos seus feitos, quer pela maneira como sabem integrar-se no dia a dia da terra onde habitam.
Não quis o Criador dotá-lo de grande inteligência, mas em contrapartida, talvez devido às dificuldades que passou durante a infância, criou uma espécie de carapaça que sempre o foi protegendo das “armadilhas “ que a vida tece.
O seu nascimento foi logo um acontecimento muito comentado na Vila. Nasceu no mês de Dezembro, e de cabeça aberta. Vejam lá que oito dias antes do parto, a mãe foi ao quintal carregar um madeiro para o lume, mas com tamanha falta de jeito, que encostou o madeiro à proeminente barriga, e, dizem as más-línguas que abriu a cabeça ao feto. De tal maneira que segundo a Parteira, o “menino” deixaria este mundo, antes do pôr-do-sol.
Logo ali, o TIRA-PICOS mostrou que não ia nas conversas dos outros, e, embora ficasse com a cabeça parecida com uma rampa de skait, o certo é que sobreviveu, e goza ainda de excelente saúde.
Teve uma infância como todos os outros da sua idade, pese embora que quando as “brincas” eram touradas, ele fosse sempre o boi, assim como no “jogo da bola” fosse sempre o guarda-redes. No entanto se fosse a “ir aos ninhos”, “apanhar pássaros” ou “ir roubar uvas” não havia quem lhe levasse a melhor.
Demorou seis anos para tirar a quarta classe...mas o certo é que a tirou.
Pouco lhe valeu...pois todos os empregos tentados nenhum deu certo. Experimentou ser empregado de balcão na loja do Custódio, mas não deu certo, pois quando lhe pediram “uma quarta de sabão” foi buscar um cântaro que encheu de sabão, e o pior é que quando um dia viu a filha do patrão no confessionário do Padre Estêvão, foi avisar o dito que a filha andava a espreitar o Padre quando ia mijar. Foi despedido...
Tentou a Guarda.... Mas quando do exame escrito, a pergunta indagava três cidades do Alentejo, e qual a capital, o amigo TIRA –PICOS responde: Estremoz, Borba e Vila Viçosa, e a capital Alandroal.
Ainda experimentou ser Carteiro, e até se ia safando, com a ajuda dos conterrâneos, enquanto se limitou ao Alandroal, o pior foi que um dia foi fazer serviço a Estremoz, e no Bairro da Cruz Vermelha, perguntou a uma Cigana se conhecia Fulana, e a Cigana se prontificou a levar todo o correio para o bairro... que ela entregava. Ainda hoje as pessoas estão esperando pelas cartas. Constitui mistério para muita gente como é que o TIRA-PICOS, conseguiu “puxar” namoro à Maria Amélia, moçoila bem apessoada, que vivia com seus pais no Monte da Bujarda lá para as bandas de Pardais.
Certo é que após várias peripécias, que futuramente irei contar o TIRA-PICOS, namorou, casou e teve filhos, e lá se vai safando....
O NAMORO
Afinal foi numa “aceifa”. Como os empregos tentados nenhum
bateu certo, o amigo TIRA-PICOS não teve outro remédio senão deitar mãos ao
trabalho “do campo”.
Foi assim que foi fazer uma “aceifa” para o Monte das
Bujardas, e lá travou conhecimento com a Maria Amélia, filha do Patrão, pouco
mais esperta que o nosso amigo, mas reinadia e sempre pronta para a
brincadeira.
“Eles” lá se entenderam e passada uma semana eram já
frequentes os encontros no palheiro do monte.
Certa noite, desconfiado dos barulhos que provinham do
palheiro o patrão e pai da Maria Amélia, resolveu investigar. Iria tudo correr
bem, pois deram pela entrada do patrão e depressa se esconderam, no entanto, e
quando o mesmo perguntou “quem está aí?” o amigo TIRA-PICOS, mais parecendo o Romeiro
do Frei Luís de Sousa, resolveu responder “ não está cá ninguém!”. Bem... a
Maria Amélia ainda fugiu, mas acertou contas lá em casa, o Tira – Picos levou
tanta “bordoada” que no dia seguinte quando depois de despedido apareceu em
casa parecia mais preto que branco, tais as nódoas que ostentava.
Mas... o namoro continuou, embora com os cuidados devidos, o
que não obstou que certa noite fugindo pelos campos fora, era tal a correria
que mergulhou de bico num pego da ribeira do Alcalati, sendo necessária a ajuda
do futuro sogro para o retirar e não morrer afogado. Ou uma outra em que
fugindo em louca correria se meteu no meio das vacas bravas do Caixeirinha,
sendo obrigado a passar o resto da noite dependurado num chaparro, até que o
moral viesse “tocar” o gado para outras bandas.
Cansado de tantos azares, e porque tudo tem o seu fim o
TIRA-PICOS, teve que propor o Casamento. Ou antes o “Amiganço”, pois casamento
os pais dela nunca iriam consentir.
Assim, ficou combinado que pelo São João a Maria Amélia, pela
calada da noite escaparia de casa paterna e iria ter a casa dos pais do
namorado, para consumação do acto.
Ela foi...mas as coisas não correram como esperado.....
Eu depois conto como foi...
E assim foi. Pé ante pé, pela calada da noite, iludindo a
vigilância paterna a Maria Amélia meteu pernas à estrada a foi caminho do
Alandroal, para aquela que seria a sua noite de núpcias.
Mas era noite de S. João e havia as “fogueiras” na Rua de
Santo António. Para ficar com a casa toda para si o TIRA-PICOS lá convenceu a
família toda a ir ao bailarico, mais a mais que a acordeonista dessa noite iria
ser acompanhada à bateria pelo Caiveirinha, que iria estriar uma aparelhagem
nova.
Curioso o TIRA-PICOS foi dos primeiros a postar-se junto ao
estrado do “toque” e a ficar fascinado por aquela coisa que se movia para baixo
e para cima, e a qual ao bater uma na outra emanava um som tão bonito! Não
descansou enquanto não “estudou bem” o funcionamento daquilo, e verificou que
se movia consoante a pedalada dada pelo Caiveirinha. Eram pura e simplesmente
os “pratos” da bateria movimentados pelo pé.
Resolvido a estragar o ritmo imposto pelo tocador, não
esteve com meias medidas: meteu os dedos entre os pratos no preciso momento em
que os mesmos faziam o movimento descendente. Bem... o sangue espirrou por tudo
quanto era sítio e os dedos do TIRA-PICOS ficaram que nem fiambre no meio de
uma tosta.
Pânico instalado, gritos e ais por todo o lado, e a família
do desgraçado a caminho do Hospital de Évora onde passaram a noite.
Entretanto, à porta do TIRA-PICOS, esperava e desesperava a
infeliz Maria Amélia e só quando a manhã começou a despontar e as pessoas a
regressar a casa resolveu tomar o caminho de regresso.
Felizmente o pai havia saído cedo, e ninguém deu pela falta
da Maria Amélia durante a noite no monte das Bujardas.
Logo que lhe foi possível o TIRA-PICOS, iludindo, mais uma
vez a vigilância paterna foi dar uma justificação à MARIA AMÉLIA dos motivos do
fracasso do plano.
O amor tudo perdoa e a MARIA AMÉLIA foi facilmente
convencida a repetir a proeza, mais a mais que o “brutamontes” do pai nem
sequer se tinha apercebido da sua fuga. Mas impôs uma condição: Agora só
aceitava “juntar-se” se tivesse casa própria. E não é que o TIRA-PICOS arranjou
mesmo uma casita lá para os lados do bairro das “AVESPERAS”! E até fez chegar à
namorada uma chave da casa?
Foi acordado que na noite de S. Pedro (já que não havia sido
na noite de S. João) por volta da meia-noite a MARIA AMÉLIA, iria ter à sua
nova casita, onde o TIRA – PICOS a esperava.
Só que era noite de S. Pedro, e voltava a haver “fogueiras”
e enquanto não era meia-noite o nosso amigo foi dar uma volta ao bailarico. Só
que desta vez não se chegou tão pouco ao pé do “toque”, preferindo ir
“encostar-se “ ao bar. A aventura passada no bailarico anterior, era motivo de
conversas e o nosso amigo, teve que repetir vezes sem conta como as coisas
tinham acontecido, e “cravando” uma cervejita cada vez que repetia a história.
Foram tantas que passou a meia-noite, a uma, as duas... até que o TIRA PICOS
ficou a dormir encostado a uma mesa.
Só acordou quando o amigo Badalico o despertou, para lhe dar
os parabéns.
Parabéns? Porquê? Ainda estás a gozar? Parabéns pelo
casamento, homem! A moça de Pardais, está desde as onze horas, na tua nova
casa!!! “Amigas-te” e não dizes nada aos amigos!!!
O TIRA-PICOS ainda foi a correr para casa.... mas a prometida,
mais uma vez desiludida, já tinha
regressado ao monte das Bujardas.
Só que desta vez... o pai estava já acordado.
O AMIGANÇO – À TERCEIRA FOI DE VEZ
Ainda tentou a pobre Maria
Amélia, desculpar-se dizendo que tinha ido dormir a casa da sua amiga Genoveva,
mas a “coisa” não deu certo pois foi logo onde o pai a foi procurar, quando
pela manhã a dita não compareceu para o ordenho das vacas e tratamento das
galinhas. A “sova” foi inevitável e a seguir a proibição de sair do Monte.
O Tira-Picos, desesperava, e
maldizia aquela maldita “sigueira” que tinha pela “buìda”, que deitou tudo a
perder naquela maldita noite de S. Pedro. E da “prometida”... NADA. Nunca mais
chegou à fala com a sua amada, pois a vigilância paterna não dava qualquer
hipótese.
Até que certo dia, lhe
apareceu a Genoveva com uma mensagem da Maria Amélia que lhe pedia para a ir
buscar no Sábado seguinte logo pela manhã à porta do Monte.
NÃO HOUVE OUTRO REMÉDIO....
O que a “pobre” desconfiava teve
confirmação ao fim de um mês. Estava “AMANHADA”!
Ainda desabafou com a amiga
Genoveva, que lhe disse que tinha lido num papel que iria estar no Alcalati um
barco com um nome estrangeiro e que fazia “DESMANCHOS”...mas por azar o
Presidente da Junta aconselhado pelo Senhor Prior, não deixou o barco atracar
no ribeiro, e desmanchos só em Évora, e por sinal bastante caros...pelo que não
houve outro remédio senão “JUNTAR-SE”.
O nosso amigo é que rejubilou
com a novidade, e não perdeu tempo... sabia que Sábado era dia de mercado em Vila Viçosa. Que
os futuros sogros “marchavam” logo pela manhã para o dito cujo. Não perdeu
tempo...pediu ao Sinfróneo a “motorizada” e ala que ele aí vai buscar a Maria
Amélia ao Monte das Bujardas.
Ao subir a ladeira das
“Bispas”, ainda perdeu a “noiva”, mas antes da entrada triunfal na sua nova
casa, teve tempo de voltar atrás e “montar” (na bicicleta, claro) a sua, agora
mulher.
A partir dessa altura a Maria
Amélia, do Monte das Bujardas, em Pardais, deixou de ser a Maria Amélia para
passar a ser a PARDALEIRA, mulher do TIRA-PICOS.
A PRIMEIRA ZARAGATA
Quanto mais a gente as guarda pior. Dizia o pai.
Olha a sonsinha, parecia que não quebrava um prato, e
vejam lá. Diziam as vizinhas
É bem feito. Então o que queriam? Com um pai
daqueles!!!
Ela já está mas é “prenha”.Diziam os mais espertos.
Certo é que o casal já estava
a usufruir da “comunhão de bens” há um mês, e “trambolhão” daqui “trambolhão”
dali lá se iam safando. Mais a mais que o Tira-Picos, parecia agora ter mais
juízo, pois as idas à taberna tornaram-se menos frequentes e até tinha
arranjado um “trabalhinho”, a colocar “fundos de buinho” em cadeiras de madeira
e o Ceguinho Zé Rita tinha-lhe prometido ensinar a fazer cestos de verga.
Trabalhos sentados, pois claro, pois dobrar o espinhaço era coisa que fazia
comichões ao Tira Picos.
Vejam lá que o amigo
Maçaneta, até o tinha convencido a ir para a música, pois ser da Banda sempre
dava um certo prestígio: corriam-se as Festas todas, e ainda se ganhavam umas
massas.
Enfim tudo corria pelo
melhor, até que houve um baile na Sociedade da Musica, e onde o nosso amigo
fazia questão de marcar presença, não só para mostrar que também ele já tinha
mulher, como também para ficarem a saber que de futuro ele seria mais um
elemento da Banda, e como tal com direitos adquiridos.
Ao almoço a Pardaleira disse
ao marido que para ir ao baile teria que arranjar o cabelo (fazer uma
permanente), o que bem vistas as coisas até se tornava necessário, e o
Tira-Picos concordou. Só não esperava é que chegada a hora da janta, de Maria
Amélia... nada. Oito, nove e quase dez quando, o “espantalho” no dizer do Tira
Picos se apresentou, e ainda por cima depois de alguns “berros” lhe comunicou que
a modificação visual tinha custado 40 mil réis. Precisamente o dinheiro que
tinha feito nesse dia com a colocação de fundos nas cadeiras, e que ele
esperava “esturrar” no “emborque” de umas minis no baile. Mas o pior ainda
estava para vir quando a Maria Amélia lhe comunicou que tinha que pôr uma
gravata, caso contrário não iria ao baile. Era o que faltava...as “arreatas”
são para os burros, e se nunca ninguém me obrigou a coisa que eu não quisesse
fazer não és agora tu que me obrigas a andar amarrado. Se não queres ir não
vais...mas eu vou, e num acesso de fúria atira-se às “gadelhas”da mulher, e
estraga-lhe o penteado, não ficando ele melhor pois a camisa foi ao ar!
Foram ao baile...ela de gorro
enfiado no “toutiço” e ele sem camisa.
Na Banda
Tantas foram as “arremetida” do amigo Maçaneta, para que o
Tira - Picos fosse para a Banda, que lá o convenceu um dia a se apresentar ao Mestre Mendes, para
ingressar na Banda. Aquilo até não era estranho para ele, pois em pequeno, o
Pai quis que ele fosse aprender música, só que a brincadeira e a vadiagem
falaram mais alto e o nosso amigo não passou do dó.
Ora se em novo não passou do dó, agora não passava do ré, e
ao fim de alguns meses, como se veio a verificar que não dava uma para a caixa,
mais por descargo de consciência o Maestro distribuiu-lhe a caixa, pois rufar
já ele sabia. Só que marchar e acompanhar outras músicas “está quieto”, o que
deu azo a que outros músicos, como o Cachacita, começassem a protestar, o que
criou um mau estar, que aos poucos ia destabilizando a Banda.
A primeira saída deu-se na alvorada do 1º de Dezembro, e
logo aí se viu que as coisas não iam correr a contento, pois como o Tira-Picos
não acertava o compasso, a marcha era frequentemente interrompida, não restando
ao Maestro senão ordenar: “rufa Tira Picos”. Até passar pela sua casa e ser
visto pela sua “Pardaleira” o Tira-Picos rufou, mas depois virou-se para o
Mestre e disse: só continuo a rufar se tocar a Banda, pois não estou para ser
só eu a trabalhar e outros ganharem o dinheiro. Quem não gostou, e com razão
foi o Cachacita, que logo ali ultimou: ou eu ou esse nabo. Ora se era coisa que
o Tira-Picos não gostava era que lhe chamassem “nomes” e logo ali a caixa se
foi enfeixar na “ marmita “do Cachacita, enquanto o bombo foi servir de
cachecol ao mestre Ambrósio e até a tuba do Colunas serviu de barrete ao Tira –
Picos, que berrando “isto não fica assim”, meteu a primeira e desandou para
casa, não sem que antes o Saloio lhe tenha “berrado” “há pois não, agora
incha”.
No rescaldo dos acontecimentos, foram cinco os elementos que
abandonaram a Banda, mas o Tira –Picos , esse continuou.... mas não por muito
tempo....
Bem ou mal, o Tira-Picos, lá se foi aguentando como elemento
da Banda, lá se foi acostumando a “tocar caixa” mais ou menos, e lá ia correndo
as Festas todas, à custa da Banda. A mulher lá lhe aviava os “comes e bebes”, e
volta e meia lá aparecia nas Festas para apoiar o seu marido, e embasbacar-se
com o seu aprumo quando marchava. E então nas Procissões! Toda ela se “babava”
quando ele acompanhava a cadência dos passos dos fiéis enquanto a Banda criava
novo fôlego. Até os sogros já se deslocavam, para acompanharem o genro,
naquelas Festas circunvizinhas. E depois sempre entravam mais uns tostões para
o orçamento familiar, pois o negócio de deitar fundos nas cadeiras ia de mal a
pior.
Enfim, tudo corria pelo melhor até que a Banda foi
contratada, por dois dias, para fazer a Festa de S. Brás. Na altura e devido há
falta de transporte era hábito os elementos da Banda pernoitarem na localidade
onde iam actuar, e como era de Verão levavam umas mantas e estendiam-se por
ali. Só que durante a noite arrefeceu, e o Tira-Picos viu na Igreja um bom
local para”ferrar o galho”. Começou por dependurar o boné na cabeça do Santo,
depois vestiu-lhe o casaco, achou graça e vestiu-lhe as calças. Parecia um
músico a sério. Não esteve com meias medidas Pôs-lhe a caixa a tiracolo, e as
baquetas nas mãos. Riu-se da sua graça, e ferrou o sono num dos bancos da
Igreja.
Aglomeravam-se os fiéis à porta da Igreja, para assistirem à
Santa Missa e depois à Procissão do seu Padroeiro, quando o Padre abre a porta
da Igreja e dá com aquela cena!
A indignação foi geral, e quando assim é, todos são
culpados. A banda foi logo devolvida ao remetente, não sem antes alguns músicos
sentirem na pele a fúria de uma população indignada.
Perante tal façanha o Tira – Picos foi de imediato suspenso
das suas funções, e marcada uma Assembleia-geral com o fim de ditar a expulsão
definitiva do Tira – Picos da Sociedade da Música.
Quem não achou graça foi a Pardaleira que não deixou passar
a oportunidade para lhe “xingar” os miolos, até porque o tempo que passava na
Música não a estava a “moer” além de que o dinheirinho dos serviços sempre dava
uma ajuda!!!
Ao fim e ao cabo quem pagou “as favas” foi a mulher, e assim
se somou mais uma “briga” no casal.
O Tira-Picos havia sido convocado, por carta, registada e
com aviso de recepção para estar presente. Fez questão de se fazer acompanhar
pela sua cara-metade D. Pardaleira que embora a contra gosto não deixou de
acompanhar o seu mais que tudo.
Quando chegaram todos os lugares sentados estavam já
ocupados, e logo na primeira fila muito senhor dos seus pergaminhos como
elemento imprescindível da Banda estava o Cachacita, ódio de estimação desde o
princípio, das lides filarmónicas do Tira-Picos
“ Há aqui Sócios que
estão sentados, e não são Sócios, e Sócios que são Sócios e estão de pé”
sentenciou o Tira-Picos numa indirecta ao Cachacita, que embora elemento da
Banda e devido ao seu estatuto de “imprescindível” estava isento do pagamento
de cotas. E há músicos que em vez de
tocar zurram, respondeu o visado...seu
malcriado, não vê que está aqui uma mulher casada e ainda por cima em estado
interessante e não é capaz de lhe dar um “assento”? Ninguém a mandou cá vir...
isto é para homens...não é para mulheres.
Aselha de merda, nem
habilidade teve para casar...até duvido se não será...?
Sou solteiro, mas com
mais prática de casado do que tu, merda seca.
Esta é que não “calhou “ bem no
ouvido do Tira Picos, que relacionou a resposta como uma insinuação ao
comportamento da sua esposa, e vai daí... o que estava mais à mão era o quadro
do Senhor Presidente da Direcção... Serviu de colar ao Cachacita.
Não houve mais Assembleia-geral...
houve isso sim um arraial de porrada, que só terminou quando as forças da
autoridade intervieram.
O Tira-Picos foi posto na rua, e
obrigado a pagar os estragos causados... Nunca pagou e volta e meia estava
pregado na Sociedade da Música.
Em Casa dos Sogros
Escusado será dizer que todas
as façanhas protagonizadas pelo Tira-Picos chegavam ao conhecimento dos pais da
Pardaleira, que com grande mágoa iam constatando o “embrulho” em que a sua
filha se tinha metido. Tudo isto “mexia” com o bondoso coração de D. Pulquéria,
que a toda a hora lamentava o “mau passo” dado pela filha.
Não pode ser, temos que fazer alguma coisa, eles não
podem continuar a viver assim,
lamentava-se a Senhora!
Deixa-a estar, ninguém a mandou não ter cabeça. É bem
feito, uma magana daquelas, que nunca lhe faltou nada...
Bem... as mulheres conseguem
tudo, quando querem, e por fim D. Pulquéria lá convenceu o marido a dar guarida
ao casalinho.
O Tira-Picos, ao princípio
ainda se mostrou renitente, mas como os amigos não lhe perdoavam, aquela de
fazer do quadro do Presidente da Direcção um colar para o pescoço do Cachacita,
e nem já sequer tinha um amigo para beber um copo, além de que a vida cada vez
se tornava mais difícil... lá acedeu a passar uma temporada no Monte das
Bujardas.
Ainda que o sogro não lhe
mostrasse os dentes, e a conversa entre os dois fosse como a “lavoura dos
burros”, sempre enviusada, D. Pulquéria lá deitava água na fervura, e o
Tira-Picos lá ia “enchendo a mula”, dormindo boas sestas, e fumando umas
cigarradas. Até que um dia, (há dias em que um homem não devia levantar o
coirão da cama), depois do almoço, e querendo ser prestável o Tira-Picos,
prontificou-se a ir levar as cascas da melancia, devidamente migadas, ao
galinheiro, onde coabitavam as galinhas, os coelhos e os pombos. Foi a
perdições... a porta ficou aberta... os coelhos marcharam todos, os pombos
foram um regalo para os caçadores... e as galinhas acharam um bom “entretém”
debicando na horta, onde tudo foi ao ar, desde os alhos ás alfaces e até o
canteiro dos temperos não escapou.
Ficou “bruto” o dono da casa.
Sentado ao lume quando a esposa lhe perguntou o que se fazia para a janta: sei lá...vai lá ver se ainda se aproveitam
alguns espinafres.
Eu vou... sentenciou o Tira-Picos
E foi...
Voltou com uma braçada de
espinafres, que nem precisaram de ser arrancados, pois as galinhas já se tinham
encarregado de tal.
Onde quer que ponhas os “pinafres”?
Se calhar aqui no lume! Diz o sogro.
Ora não foi tarde, nem foi
cedo... espinafres para o meio das labaredas, que já se faz tarde!
Malandro!!! Ponha-se na rua...não basta ter ficado sem
a horta ainda faz pouco de mim!
RUA.
O Tira-Picos, foi... mas foi
curtir as mágoas para a tasca do Pirolito...antes não fosse...
PONTO FINAL NA ESTADIA EM CASA DOS SOGROS
Se foi por ser parvo, ou se
foi para fazer pouco do Sogro ainda hoje se está por saber o que levou o
Tira-Picos a deitar os espinafres no lume. Certo é que a “coisa” não pareceu
nada bem, e o Tira-Picos meteu o rabinho entre pernas e foi “curtir” uns
“copos” na tasca do Pirolito.
Conversa puxa conversa, copo
puxa copo, quando mal se descuidou estava com “uma “ de “caixão à cova”, a tal
ponto que tiveram que ir levá-lo a casa, onde a esposa o esperava.
Deitaram-no no sofá que
estava logo ali à mão, onde ficou a “curti-la”. Só que a “magana” era chorona,
e o Tira-Picos desatou a chorar, de tal forma foi o “cagarim”, que conseguiu
reunir o resto da família à sua volta.
E chorava... chorava a tal
ponto que a Pardaleira muito pesarosa desabafa para a mãe: Coitado, está mesmo arrependido... não deixa de chorar.
Deixa-o
chorar... quanto mais chora...menos mija. Responde o pai.
Não
mija... mas é uma merda é que não mija...
E
não esteve com meias medidas. Saca do “instrumento” e zabumba enfia-lhe uma
valentíssima mijadela, mesmo diante dos sogros, deixando o sofá numa lástima.
Foi
o ponto final, da estadia em casa dos sogros.
Ainda
nessa mesma noite, palmilhou o caminho de regresso ao Alandroal, sem mesmo se
dar conta porque tinha sido posto na rua.
Também
a Pardaleira custou a perdoar-lhe tal desaforo só regressando a casa passado
quinze dias... mas o amor é assim!!!
O REGRESSO DA MULHER AMADA
Tudo o que se passava com o
Tira-Picos, nesta malfadada fase da sua vida ia sendo seguida pela sua
Pardaleira, que no Monte das Bujardas ia cada vez mais deixando dissipar o mau
estar provocado pela “mijadela”do seu mais que tudo, naquela triste noite em
que foi afogar as mágoas na tasca do Pirolito.
Não podia, mais a mais
sabendo, que após a última peripécia o mesmo havia sido “encanado”, deixá-lo ao
abandono. Após uma conversa com a mãe, já que o pai estava difícil de domar lá
conseguiu arranjar uns tostões, um farnel e regressou ao lar.
Entretanto o Tira-Picos, dado
que o roubo não havia sido consumado, foi posto em liberdade.
Que alegria, quando chega a
casa, e vê a sua mulher! Que alegria quando soube que alem dos “cobres” doados
pela sogra, ainda havia um “arroz tostado” feito com a galinha que a esposa
“acarinhou” no Monte e uma “canjinha”. Tal banquete merecia “uma pinga” , e o
nosso homem foi buscar na tasca do
Sinfrónio uma “litrada”. Até resistiu a um copo que lhe ofereceram, mas ficaram-lhe
nas narinas o cheiro dos caracóis que serviam de petisco.
Foi um regalo, depois da
“janta” o serão passado em casa com a sua Pardaleira. Fez esquecer todas as
necessidades porque havia passado. Havia que lhe dar a devida recompensa.
Depois de dar voltas e mais voltas à cabeça acudiu-lhe o “cheirinho”dos
caracóis. Pois é! Apanhar caracóis não é roubo e ele sabia bem que na Horta da
Formiga havia muitos e por sinal grandes e bem gordos. Foi só a questão de
arranjar um tacho, meter os caracóis lá dentro, chegar a casa e pô-los ao lume.
Enquanto os caracóis coziam, foi beber um copo, mais que a esposa não estava em
casa atarefada que estava nos cumprimentos às vizinhas.
Foi um desastre total...havia
ranho por tudo quanto é sitio na cozinha...e os caracóis na medida em que a
água ia aquecendo iam-se raspando pela casa toda e deixando o seu rasto pelas
paredes. Até no quarto e na cama havia caracóis.
O pior é que a mãe da
Pardaleira havia convencido o marido a irem visitar nessa noite a filha, e até
era para jantarem lá....
A VISITA DOS SOGROS)
Bem se esforçaram para apagar os vestígios deixados pela
fracassada cozedura dos caracóis, que deixaram rastos da sua presença por tudo
quanto é sitio. E tanta esperanças que o Tira-Picos tinha em conquistar as boas
graças do sogro oferecendo-lhe um petisco de caracóis. Sempre conheceu os
“bichinhos” como sendo “mansos”, quem lhe havia de dizer que se “espantavam” de
tal forma com o calor! E depois sabia ele lá que precisavam de ser lavados e
que para serem consumidos tinham que levar tempero?
Pelo sol-posto lá se apresentaram os pais da Pardaleira,
munidos de alguns mantimentos, que a extremosa mãe conduida pelo mau viver da
sua filha sempre ia “acariando”. Até um bolo de alguidar tinha feito para levar
à filha...
Quando chegaram estava a casa virada de pernas para o ar, e
o casalinho atarefado à caça dos malditos caracóis que se haviam espalhado por
todo o lado.
Mas...o que é isto?
Sabe lá: caiu-me uma praga de caracóis em casa, que não consigo dar conta
disto! Caracóis? Pois...isto deve ter sido por causa de umas couves que trouxe
lá do Monte e que deixei no “poial dos cântaros”. Devem ter passado a noite “na
pouca-vergonha” e agora resolveram passear pela casa toda.
Quem não ficou lá muito convencido foi o “velho” que viu
logo que devia ter sido mais “alguma” daquele parvalhão. Até porque o cheiro
que se espalhava pela casa não deixava margem para dúvidas.
Logo ali pensou em
dar de frosques e voltar para o Monte. Mas enfim, já que tinha ido para jantar
e fazer “as pazes” com o genro, o melhor era esperar.
Decorria o jantar pelo melhor, o pai da Pardaleira até já
tinha perguntado, como é que iam as coisas, quando a mãe começa a sentir uma
coisa estranha e viscosa a subir-lhe pelas pernas. Habituada que estava a que a
única coisa que lhe subia pelas pernas era a mão calejada do seu homem agora
aquela coisa mole por aí acima fez-lhe dar cá um destes pulos que tudo o que
estava em cima da mesa foi de “pantanas”.
Há velha dum cabrão
agora entornou esta merda toda...lá se foi o jantar para o maneta, ainda por
cima me queimou com o caldo.
Foi o ponto final na tentativa de reconciliação. De carro de
praça regressaram ao Monte, e só mais tarde por altura do baptizado do Nelinho
é que tentaram nova reconciliação.
Tudo por causa de um “abelhudo” caracol, que sabe Deus, com
que intenção se preparava para se alojar, sabe Deus onde, na carcaça da mãe da
Pardaleira.
Vá lá que no meio dos estragos ainda se safou o “bolo de
alguidar” que serviu para consolo do casalinho.
SEM JEITO PARA ROUBAR
Ia de mal a pior a vida do
Tira-Picos, estava como a lavoura dos burros, torta e enviusada, ou se quiserem
sem tralho nem maravalho. Sem a mulher para lhe fazer as sopas e coser os
trapinhos, sem trabalho, ainda por cima o negócio do fundo das cadeiras estava
cada vez mais fraco, e por mais que o Ceguinho Zé Rita lhe ensinasse a fazer
cestos de verga os mesmos nunca saiam capazes de ser transaccionados.
A fome apertava, o dinheiro
escasseava, e como na infância era mestre a surripiar o alheio, o Tira-Picos
não arranjou outra forma de enganar o estômago senão ir às hortas pilhar
qualquer coisa.
A primeira tentativa foi na
horta do Adelino, onde haviam duas figueiras, que dito por todos davam os
melhores figos de S. João, no Alandroal. Foi fácil entrar na quinta, pois o
portão estava sempre aberto, e mais fácil ainda comer a canastra de figos que o
dono já tinha apanhado. Só que para o Tira-Picos uma canastra não chegou e
ainda provou mais alguns colhidos da própria figueira. Foram dar com ele, com
uma barriga inchada de palmo e meio, olhos esbugalhados e vomitado por tudo
quanto é sitio. Quando no Hospital o Médico lhe perguntou o que tinha
acontecido o Tira-Picos responde: Comi
uma canastra de figos e mais uns oitenta, e comecei a ter uma leve dor de
barriga, depois não me lembro.
As laranjas do João dos
Pereiros eram das melhores: da baía, grandes e docinhas como mel. Só que para
entrar na horta era um problema. O muro era alto e ainda por cima tinha cacos
de vidro no cimo. Mas nessa noite o Seabra deixou o “carro da mula” encostado à
parede, e de cima do carro era fácil saltar lá para dentro. Seria mesmo nessa
noite, e nada melhor que trazer logo uma saca de laranjas. Se bem o pensou,
melhor o fez. Só que o carro não estava travado e quando em cima dos taipais o
Tira-Picos se preparava para saltar, o carro desliza e não teve outro remédio
senão agarrar-se ao muro, cortar as mãos nos vidros, mas saltou lá para dentro,
enquanto o carro se espatifava no muro em frente. Todo este
“cagarim” despertou o dono. Deixou-o comer as laranjas até matar a fome,
deixou-o encher o saco, mas depois, enquanto o Tira-Picos dava voltas à cabeça
para encontrar maneira de se raspar, apareceu, e deu-se ao trabalho de lhe
esfregar “nas trombas” as laranjas uma a uma. Na manhã seguinte o Tira-Picos,
parecia, na voz da velha Amélia, uma alma do outro mundo, com os dedos
entrapados e a cara toda inchada.
Estava visto: com fruta não
se safava. Experimentou então galinhas. E como na horta do Zé Cuco, as mesmas
depenicavam à vontade, e o muro não era alto viu uma maneira fácil de “pescar”
galinhas. Bastou-lhe arranjar fio de coco, um anzol, pôr na ponta do mesmo uma
fava e fazer o lançamento. Não demorou que uma caísse no engodo, e quando se
preparava para engolir a fava, bastou um puxão e ela aí vem, asinhas a bater a
caminho do pilha galinhas.
Azar dos azares...a guarda ia
a passar e dá com aquele estrafego. Com que então a roubar galinhas? Raios partam isto. Estava a praticar para
fazer uma boa pescaria amanhã na “rebêra” e a merda da galinha come-me o isco e
ainda por cima dá cabo do anzol.
Nessa noite o Tira-Picos
dormiu na cadeia, mas pelo menos teve um bom jantar e ainda por cima acompanhado
por um copinho.
TIRA-PICOS EM LISBOA
Gozava o nosso amigo a
soalheira do Outono, refastelado num banco da Praça, quando passa o Presidente
da Câmara e lhe diz: Tira-Picos, amanhã,
logo pela manhã passa lá pela Câmara que eu preciso de falar contigo.
Má... Maria, para ser chamado
à Câmara, coisa boa não era... Seria por causa dos caracóis que apanhou na
Horta da Formiga? É que atrás dos caracóis sempre vieram uns marmelos, coisa
pouca, só o suficiente para a sua Maria fazer umas “chávenazinhas”de marmelada.
Mais até a pensar nela, porque era coisa a que ele não dava grande apreço.
Nem dormiu...e logo pela manhã se apresentou
no gabinete do Presidente. Afinal não era nada do que ele esperava...
Olha lá... a Câmara recebeu um convite para se fazer
representar numa Feira de Artesanato, em Lisboa...e eu lembrei-me de ti. Queres
ir?
Lá feira sabia ele o que
era... pois além da de S. Bento, já tinha ido às de Vila Viçosa, e até à de
Borba, e era “coisa” que gostava...mas artesanato? Que diabo é isso?
È... estares lá sentadinho, a pores fundos de buinho
nas cadeiras, e depois de prontas podes vendê-las por bom preço. Vai lá falares
com a tua mulher e amanhã vens cá dar a resposta.
Lá falou com a mulher, que
até o incentivou a ir, mais a mais que estava no último mês de gravidez...
gostava de ir ter a criança no Monte, ao pé da mãe...e depois quem sabe até
vendesse umas cadeiras... pois no Alandroal já tudo estava servido no que diz
respeito a tal material.
Mas antes, e na tasca do
“Sinfrónio” ainda pediu conselho ao seu amigo “Maçaneta”, pois não fazia ideia
de como chegar a Lisboa.
Isso é as menos... apanhas a “automotora” em Vila Viçosa , ficas
mesmo no “Barrêro”, atravessas o “rebêro” no “vapor”, apanhas um “carro de
aluguer” e pedes para te levarem lá... “aprovêta” homem... se não venderes as
“cadêras”, pelo menos “vás a Lesbôa”.
E lá foi comunicar ao
Presidente que sim senhor... iria lá à tal feira, e que faria as cadeiras que
fossem preciso.
Levas aqui cinco contos, para comprares uns “atados de
buinho”, eu já disse ao carpinteiro que fizesse as cadeiras e no Sábado uma
camioneta vai levar-te a Vila Viçosa para apanhares o comboio. Quando lá
chegares entregas esta carta ao homem da entrada e ele diz-te onde ficas, onde
vais dormir e comer. As cadeiras que venderes o dinheiro é para ti... agora vê
lá como te portas!!!
E assim foi... dez cadeiras
sem fundo, três atados de buinho, comboio até ao Barreiro, Cacilheiro até ao
Terreiro do Paço... e o mais difícil convencer um Táxi a levar a tralha. Mas
conseguiu...só que quando o condutor perguntou para onde? O Tira-Picos: para a
feira.
Pronto já cá estamos... passa para cá uma milhena, que
já estás à porta da feira. Com o
material à porta, quando entregou a carta ao porteiro... Homem isso não é aqui... aqui é a Feira Popular, tu
queres ir é para a FIL.
PORRA... ainda agora cheguei, e já me estão a tramar...
NA FEIRA DE ARTESANATO
Foi uma carga de trabalhos,
para arranjar novo táxi, que quisesse transportar, o Tira-Picos, e a “tralha”
que o acompanhava para o local certo. Teve que ser por “ajuste directo”, com o
auxílio do Porteiro da Feira Popular e mesmo assim só com o desembolsar de duas
de mil. Uma carga de trabalhos, que já fazia com que mal dissesse a hora em que
tinha aceite tal proposta.
Mas lá conseguiu chegar ao
destino certo, e após mostrar a carta do Presidente, deixou o “material” em
sítio seguro, usufruiu de uma boa jantarada, e de uma confortável dormida, em
colchão macio que até fez com que esquecesse a sua Maria.
Tinha ordem de se apresentar às nove, para ter
pelo menos duas cadeiras prontas, para quando a Exposição abrisse à tarde. E
cumpriu.
Deram-lhe uma “casinha” e
disseram-lhe: vá pondo fundos nas cadeiras, e quando alguém quiser comprar:
venda.
Bem... o Tira-Picos nunca se
tinha sentido tão feliz. Primeiro toda a gente, (e se havia gente), parava para
ver a sua habilidade, depois nunca tinha visto tanta “cara bonita”, e se eram
“jeitosas”... e as luzes que aquilo tinha! Razão tinha o Labumba, quando dizia
que não havia nada como Lisboa! Ih...e como as cadeiras se vendiam... aquela
gente devia ter mesmo o cu frio, e precisavam de fundos de buinho para
aquecerem o rabo. Não é nada... logo no primeiro dia vendeu o material todo, o
que valeu foi o homem encarregado da feira ter comunicado à Câmara para mandar
mais... e mandou.
O melhor é mudar-me para Lisboa. Ainda foi perguntar ao homem que mandava se podia
continuar o negócio ali...mas nada feito, Aquilo só funcionava por uns dias,
depois o lugar era para outras coisas...
Tudo corria pelo melhor, e o
Tira- Picos, já pensava ter tirado a “sorte grande”. Mas ao lado estava um
galego, que passava o dia a “malhar” sola, fingindo estar a “deitar meias
solas, tombas e viras”, em sapatos, mas que fazia um negocião a vender botas
caneleiras.
Como eram vizinhos,
tornaram-se amigos...e como ambos nunca tinham tido vida boa, e tão pouco se
acharam alguma vez com umas notas, um dia diz o Galego: oh compadre... e se a gente esta noite fossemos às “maganas”? Atão não
havemos de ir? Logo à noite depois do jantar, aluguemos um táxi e...vamos
E foram...
Coisa linda... o taxista
deixou-os à porta de um bar. Nunca o Tira-Picos pensou que existisse tal
coisa...a música era linda... só “tangues”, as mesas para se sentarem todas bem
compostas, com toalhas e tudo, a luz era de muitas cores, mas aquilo parecia
tudo vermelho, e até mudavam para outras cores, conforma a música tocava. Não
havia cá vinhos tintos ou brancos, nem sequer bagaços, só “buìda fina”. Tanto
que ele tinha para contar quando regressasse ao Alandroal! Até iam morrer de
inveja.
E as “maganas”? Aquilo é que
eram mulheres! Bem vestidas, bem compostas e que bem que cheiravam!
Bem dizia a hora em que o
companheiro da “casinha” do lado o tinha desafiado. Até quando lhe vieram
oferecer um charuto não se fez rogado.
E quando duas perguntaram se,
podiam sentar-se na mesa, todo o Tira-Picos se desfez em sorrisos para que as
mesmas os acompanhassem.
Vieram mais bebidas...e tudo
estava a correr pelo melhor quando o amigo Galego se sai com esta: Compadre...tenha
cuidado olha que “isso” é um homem!
Podia lá ser... uma coisa tão
bonita com umas “mamas” daquelas... o homem é parvo!
Mas pelo sim pelo não... O
melhor era tirar dúvidas. Foi subindo a mão pelas pernas do “travesti” e quando
confirmou que o colega tinha razão... deu tal apertão nas “partes” do outro que
além do estrondoso berro, pregou-lhe um “murranaço” no olho, que o Tira-Picos
até viu as estrelas.
Estava arrumada a confusão...
Tira-Picos e Galego no olho da rua, mas não sem que antes tivessem de largar
quinze notas de mil, o que os deixou completamente “tesos” .
O pior é que no dia seguinte
a “corja” desaguou na Feira de artesanato, e quando viram os dois “marmanjos”,
não só lhe aplicaram nova dose como destruíram o material que ainda possuíam.
Não houve outro remédio senão
devolver o Tira-Picos à procedência, onde chegou com um olho à Belenenses, teso
que nem um carapau, e sem vontade de regressar a Lisboa.
Mas tinha uma agradável
surpresa... ERA PAI.
TIRA-PICOS É PAI
Sem um “chavo”, e com uma
carga de “porrada no lombo”, Tira-Picos lá regressou da sua aventura por terras
de Capital.
Que desculpa iria arranjar
para justificar, não só o fracasso do empreendimento, como ainda o estado
lastimoso em que regressou?
Mas tudo passou, e mais uma
vez a “providencia divina “ esteve com o nosso amigo e qual não foi o seu
espanto quando se apresentou no Monte das Bujardas, e foi acolhido pelos sogros
com efusivos abraços e amabilidades nunca vistas. Na verdade o nascimento do
primogénito do casal Tira-Picos fez milagres no coração do pai da Pardaleira,
que quando se viu na qualidade de avô de um robusto rapagão dado à luz pela sua
filha, transformou por completo o conceito que até então fazia do seu genro.
Não hesitou: a partir de agora, ficas cá no Monte, tomas
conta do gado, podes fazer a tua seara e teres a tua horta... e podes ir ao
mercado de Vila Viçosa e fazeres os teus negócios. Tens é que teres juízo e
deixares as más companhias. O meu neto vai ser criado aqui no Monte, e há-de
vir a ser alguém. Há-de ter estudos, pois não quero que seja como os pais, que
nunca passaram da cepa torta!
Como o nascimento de um neto
pode mudar os sentimentos de uma pessoa!
Foram talvez os melhores anos
de vida do nosso amigo Tira-Picos. Nem foi preciso, maçar-se muito com a horta
que entretanto construiu, onde volta e meia se entretinha a plantar uma couves,
uma alfaces...mas do que gostava mesmo era de cultivar rabanetes e rábanos,
pois aquilo ao fim de oito dias já tinha nascido tudo. E como gostava de
presentear o seu sogro com um bom rábano (pois no dizer deste, sabia melhor, e
fazia menos mal uma “rodela” de rábano do que uma de paio. O que faz a fartura).
E ele lá ia, volta e meia
caminho do mercado, quando o dinheiro escasseava, mais para vender uns
molhinhos de agriões que apanhava na ribeira e negociar à socapa uma ovelha, ou
umas galinhas que ia surripiando no Monte às escondidas do sogro.
E o Sinfróneo (o filho do
Tira-Picos e da Maria Amélia) lá ia crescendo, e tornando-se cada dia que
passava num robusto rapaz, para orgulho dos seus pais mas acima de tudo do seu
avô.
Foi um ano bem passado... de
barriga cheia, boas “sornas”, dinheirinho quanto baste e boa vida até dizer
“chegue”.
Temos que baptizar o rapaz...para o mês que vem... já
falei com o Padre.
Sentenciou o “patrão” ao
jantar.
È aqui no Monte, podes convidar os teus amigos...mas
vê lá com quem pregas cá!
Foi o princípio do fim de um
ano bem passado... o melhor na vida do Tira-Picos.
O BAPTIZADO
Eu quero que isto seja uma grande festa. Mata-se um
porco, umas galinhas, podemos até assar um vitelo.... Já encomendei o vinho no
Bidais. O baptizado do Sinfróneo há-de ser falado pelas redondezas.
Andava eufórico o babado
avô... conseguia até transmitir a toda a família a alegria que trazia dentro de
si.
O Tira-Picos, já tinha ido ao Alandroal
convidar os amigos para a cerimónia. Só da sua parte eram mais de cinquenta. As
saudades que tinha da sua terra, fizeram com que fizesse uma “via-sacra” pelas
“capelinhas” do Alandroal, e por fim a “bêbeda” era já tamanha que pessoa que
entrasse na taberna era de imediato convidada para o baptizado. Desde o
engraxador, passando pelo Cabo da Guarda, e até mesmo o Presidente da Câmara
foram convidados.
E o sogro não lhe ficou
atrás, pois além do Presidente da Junta, ainda dirigiu cartas ao Senhor Mário
Soares e ao Senhor Cavaco Silva, que para grande decepção tão pouco lhe
responderam.
Uma semana antes do grande
acontecimento já a Pardaleira e a mãe, com a ajuda da vizinhança deitavam mãos
ao trabalho, e foi um vê se te avias a fazer bolos fintos, de alguidar,
sss,”filhoses”, azevias, nógados, até uns bolinhos de amêndoas, tipo queijinhos
do céu e castanhas, havia. Das bebidas finas encarregou-se o dono da casa, que
aproveitou uma ida a Évora para encomendar os licores.
No que dizia respeito a
pastelaria, a mesma foi encomendada no Rui do Alandroal, que além do bolo do
baptizado, fornecia, os pastéis de nata, os palmieres, os jesuítas e outros de
recheio, alem de mais cinco de matéria fina.
Tudo em grande...
Como a azafama era grande em
vésperas do baptizado, foi o Tira-Picos encarregado de ir buscar nas vésperas
os bolos ao Alandroal, pelo que o sogro lhe passou para a mão uma “notinha de
dez mil”, para fazer face ao pagamento do material.
Por azar do Tira-Picos, e ao
lado, na taberna do Água Mel, onde resolveu esperar que a “encomenda” estivesse
pronta, estava o Açorda que com três copos e uma bolinha de papel, que se
mantinha fixa, movimentava os copos sobre a bolinha e convidava os presentes a
acertar no copo debaixo do qual estava a mesma. Aquilo fascinou o Tira-Picos.
Era impossível não acertar. Ele tinha visto... e não se enganava de certeza,
qual o copo que tinha a bola por baixo. Resolveu arriscar... Mil paus! Foi que
nem canja...ganhou... Mais outra vez. Desta vez dois mil. Perdeu...E por aí
fora...até que a “massa” se transferiu por completo para os bolsos do Açorda,
Só regressou de madrugada,
sem coragem de enfrentar os sogros, sem bolos e sem dinheiro.
Mas o baptizado realizou-se e
ainda hoje se diz que não houve festa maior, lá para os lados de Pardais... só
que bolos finos não houve, e a alegria do avô era tanta que só passado oito
dias e quando o Pasteleiro se apresentou a reclamar o prejuízo pelo não
levantamento da mercadoria e consequente idmenização, o mesmo indagou e foi
poste ao corrente do sucedido.
Acabou-se a boa vida... e
Tira-Picos, regressou ao Alandroal... sem mulher e sem filho... que drama!!!
FINALMENTE...NO BOM CAMINHO
Há males que vêem por bem... Depois de “enxotado” de casa dos sogros pela segunda
vez, e vendo-se novamente “sem eira nem beira”, a acudirem-lhe à lembrança os
tempos que se viu só e abandonado, após a “mijaceira” depois daquela noite de
bêbada, e prevendo que novos males se avizinhavam, Tira-Picos resolveu dizer
basta, “empinar o juízo”, “deitar contas à vida” e “tornar-se alguém”.
O primeiro passo era ir falar
“de homem para homem” com o sogro. Afinal ele era casado, de papéis passados
(mentira), o filho era dele, e alem do mais tinha direito a umas cabeças de
gado que entretanto tinham nascido. Pelo menos a uma vaca, não contabilizando o
que estava por colher na horta que o sogro lhe tinha posto à disposição.
O gaiato nem penses levá-lo daqui, quero que ele seja
alguém. A Maria Amélia é lá com ela. Tu, toma lá uma nota de dez, e põe-te a
andar...
Não estivesse o pensamento do
Tira- Picos, já com as ideias definidas, do que se propunha fazer, e teria sido
nessa altura que ajustava contas com o sogro: mandava-o meter a nota no cu, e
arreava-lhe tamanha carga de porrada, que nem ele sabia de que freguesia era.
Assim preferiu, arrecadar a
nota, deixar a educação do Sinfróneo ao cuidado dos avós, que para isso tinham
posses, esquecer por uns tempos a Pardaleira e concretizar o que tinha em
mente.
Se as cadeiras com fundos de
buinho, tinham desaparecido num ápice, quando da feira de artesanato em Lisboa,
porque não havia ele de ir experimentar vender cadeiras aos Lisboetas?
Agora até já sabia o caminho!
Com a nota de dez comprou
umas cadeiras... pôs-lhe os fundos... e marchou caminho e Lisboa.
Não precisou de sair do
Terreiro do Paço. Logo no barco vendeu metade, e as restantes voaram num
instante.
No primeiro mês só lá ia uma
vez por semana, mas ao fim de pouco tempo o negócio tornou-se tão próspero que
passou a ir dia sim, dia não. Entretanto aprendeu as fazer os cestos de verga.
Alternava os cestos com as cadeiras, e mais tarde já era representante de todos
os artesãos do concelho, comprando cá, vendendo lá.
Tornou-se conhecido no meio,
já não se limitava, a levar...trazia também produtos que não eram vistos no
Alandroal, e que transaccionava por bom preço.
Comprou uma carrinha, mais
tarde uma camioneta e agora já tem um carro frigorífico, onde faz o transporte
de mariscos.
Já não mora no Bairro das Minhocas,
mas em casa própria.
Já tem a sua mulher ao seu
lado e o Sinfróneo estuda em colégio particular.
Já não pede a bicicleta
emprestada, mas desloca-se em jeep do próprio.
A Pardaleira, já não é
conhecida assim, mas por D: Mélinha.
O Tira-Picos ainda vai à
tasca do Água-Mel, mas não bebe um tinto...bebe whisky.
Deixou de ser o Tira-Picos e
passou a ser o Senhor Carrilho Soares.
Pondera agora conjuntamente
com o sogro, com o qual tem agora uma S.A.R.L, da qual resultaram algumas
P.M.E., se deve ou não aceitar o convite que lhe foi dirigido, pelo P.S.F.
(Partido: Portugal Sem Fundos), se, se deve candidatar a Presidente da Junta.
Quanto a mim: moveram-me um processo, que corre os
seus trâmites em Tribunal, no qual me acusam de ter denegrido a sua imagem. O
que eles não sabem é que assim que eu queira, pura e simplesmente desaparecem.
Há...há...há...
E é já....
Saudações Marroquinas
Xico Manel
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