Em memória de Rufino Casablanca
« Amor e Sexo nas Margens da Ribeira do Lucefecit ao Longo dos Séculos »
___ Em Busca das Origens dos Rodriguez Potra ___
(Extracto da novela “ Peças Soltas no Interior da Circunferência “)
Durante a dinastia Filipina, quando a Espanha e Portugal tinham o mesmo rei, o bispo de Plasência, D. Alonso de Rivera, seguindo os conselhos do irmão, D. Francisco de Rivera, na altura vice-rei do Peru, mandou armar a custas suas uma frota de quatro navios, tendo confiado o comando-geral a um tal Juan José Rodriguez Potra, notável piloto que já tinha participado em várias viagens às costas ocidentais da índias espanholas. De facto, este Juan José Rodriguez Potra, era um experimentado marinheiro que, ao serviço da coroa espanhola, já participara em muitos actos de conquista dos territórios mais meridionais do continente que hoje é conhecido por América do Sul.
Com raízes em Olivenza, era o filho mais novo d’uma família de pequenos proprietários rurais, que possuía várias courelas na região de Olivenza, Landroal e Terena. Com a morte dos pais, os irmãos mais velhos, ficaram com a maior parte do espólio da família, tendo ele herdado apenas uma pequena propriedade no arredores de Terena. Homem ambicioso, depois de várias tentativas frustradas de fazer vida em Portugal e Espanha, embarcara para os Brasis e por lá se fizera mestre na arte da marinhagem.
Profundo conhecedor das cartas de marear daquelas paragens e das dificuldades que o estreito de Magalhães oferecia na travessia para o oceano Pacífico, e com um grande dom de comando, dificilmente o bispo de Plasência arranjaria quem melhor desempenhasse as funções de capitão-mor da sua frota.
Estando tudo pronto para a partida, zarpou do porto de Cádiz a 12 de Maio de 1590. Era a frota composta por dois galeões e dois bergantins, estes com a incumbência de montar a segurança dos navios maiores, pois a pirataria era usual por essa época. O objectivo da viagem era trazer um carregamento de prata e ouro, pedras preciosas, e a maior quantidade possível de madeiras raras.
Foi uma viagem sem história.
Depois de escalas nas Canárias, Cabo Verde e S. Salvador da Bahía, a travessia do mal afamado e perigoso estreito de Magalhães, foi uma brincadeira para o conhecimento e perícia do capitão da frota.
Já no oceano Pacífico, a navegação foi isso mesmo : Uma navegação pacífica.
Aportaram a Valparaíso, hoje parte do Chile, mas nessa época integrando ainda o vice-reino do Peru.
À chegada, tudo estava a postos para o carregamento.
O vice-rei do Peru, D. Francisco de Rivera, irmão do bispo que armara a frota, também ele parte interessada, tinha cumprido com o anteriormente combinado.
Levantaram ferro seis meses depois, bem abastecidos de provisões, com as tripulações folgadas e os navios reparados, pois uma navegação tão demorada, embora calma, sempre provoca alguns danos.
O regresso foi também uma viagem sem história.
Regressaram a Cádiz dois anos depois de terem partido.
As únicas baixas registadas nos diários de bordo, ficaram a dever-se a algumas brigas de marinheiros, a alguns tripulantes que desertaram em Valparaíso, e a uns tantos que morreram de febres tropicais. Tudo junto não somava mais de trinta homens.
Dividiram-se os proventos da viagem, em Sevilha, nas percentagens previamente combinadas.
Assim ficou o Juan José Rodriguez Potra um homem rico. Rico e com uma escrava por companheira.
Esta situação tem explicação e vamos dá-la de imediato para não atrasar o resto da narrativa.
Foi assim :
Aquando da permanência da frota em Valparaíso, durante a estiva da carga e enquanto se reparavam os navios, esperando ventos de feição para se fazerem ao mar, Juan José Rodriguez Potra, foi convidado a viver na residência do vice-rei . Foi posta à sua disposição toda uma ala do palacete. Numa das primeiras noites que passou em terra, depois de se deitar, apareceu no quarto uma mulher que disse ir fazer-lhe companhia por ordem do vice-rei. Era uma índia muito alta, da altura do Juan José, de feições angulosas e com uns enormes olhos cinzentos. Mulher bonita, com aquele tipo de beleza que ainda hoje é possível admirar nas mulheres daquela parte do mundo. Inicialmente, Juan José, não entendeu bem o que o que o vice-rei pretendia com aquele gesto, mas quando se meteu na cama com a mulher, desforrou-se de tantos meses de abstinência. Todas as manhãs, ao acordarem, ela sumia-se pelos corredores, tão muda como quando à noite vinha ter com ele. Durante o dia não lhe punha a vista em cima, mas depois da ceia, normalmente feita na companhia do vice-rei, quando se retirava para o seu quarto, já a encontrava na cama, esperando-o.
E foi assim durante toda a permanência da frota em Valparaíso.
Na véspera da largada da frota, de regresso a Espanha , ela falou com ele pela segunda vez, e explicando-se em bom castelhano, pediu-lhe para a levar para a terra dos brancos. – “ Ali, não passava de uma escrava, e nada a prendia àquela terra, depois de ter assistido à morte de toda a sua família “ – .
De imediato se decidiu. O vice-rei ainda o alertou para o perigo que seria meter uma mulher num barco rodeada de várias dezenas de homens, mas nem esse argumento o demoveu. Assim, no dia do embarque, levou-a para o camarote, vestida com trajos masculinos, dizendo que comprara aquele escravo para o servir em Espanha. E foi nessa qualidade que a desembarcou em Cádiz.
Quem ler esta narrativa dirá que parece um conto de fadas. – Uma viagem de muitos meses de duração, feita em navios de madeira, por regiões inóspitas, ainda mal conhecidas e mal cartografadas, sem tempestades, sem ataques de piratas numa altura em que os mares estavam infestados deles, uma mulher a bordo d’um navio, carregado de prata, ouro e pedras preciosas, rodeada por quase uma centena de homens, e desembarcada em Espanha numa altura em que este país era o mais poderoso do mundo.
Parece, de facto, um conto de fadas.
Mas não é !
E o que tem a ribeira do Lucefecit a ver com isto ?
Vejamos :
Após o desembarque e depois de feitas as contas, Juan José Rodriguez Potra, agora um homem rico, conforme já todos sabem, acompanhado pela sua escrava que, altiva e cor de cobre, a todos encantava com a sua beleza, realçada pelas vestes que imediatamente compraram.
Nesta fase da narrativa, é altura de lhe dar um nome cristão – Guadalupe – assim se chamou por iniciativa do companheiro.
Há, porém, um pormenor que ainda não foi dado a conhecer : Na parte final da viagem, depois da escala feita na ilha do Porto Santo, O Juan José, começou a sentir-se muito mal, tomado por febres altíssimas. Foi de grande préstimo, nessa altura, a ajuda dada pelo padre jesuíta que acompanhava a expedição. Esse padre, que tinha como incumbência a salvação das almas, tinha também conhecimentos médicos e foi graças a ele que o capitão-mor se livrou dessa maleita antes da chegada a Cádiz.
Depois da chegada, durante os primeiros tempos passados em Espanha e depois em Lisboa, mesmo depois de voltarem para a pequena propriedade que o Juan José possuía em Terena, essas febres voltavam com muita frequência a atormentá-lo.
Ele, que tinha navegado pelos sete mares, sempre incólume a epidemias e febres, que frequentemente dizimavam as tripulações, via-se agora cada vez mais fraco e doente, de nada lhe servindo as riquezas que acumulara.
Foi por essa altura que Guadalupe deu mostras do seu valor. Quando o marido – sim, marido, pois o Juan José quisera regularizar a situação e casaram na ermida de Nossa Senhora da Fonte Santa – começou a ficar doente, foi ela quem investiu os cabedais que tinham sobrado da viagem às américas. Comprou terras que anexou às que já tinham, assim como se fez de propriedades em Capelins e até em Espanha.
Quando, passados cinco anos, o Juan José fechou os olhos, deixou para trás toda uma vida de aventuras e uma razoável fortuna. Deixou também uma viúva muito bonita, de uma beleza exótica e na flor da idade. E dois filhos. Dois filhos caldeados de sangues ibérico e dos confins das américas.
Guadalupe não voltou a casar. E não foi por falta de pretendentes. Muitos apareceram atraídos pela sua beleza, e também pelas suas posses, diga-se. Fez até uma vida de clausura, encafuada no monte do Meio, transformado agora num grande casarão, e de onde administrava todos os seus bens.
Entretanto começou a correr o rumor que junto às margens da ribeira do Lucefecit, a jusante da ermida da Fonte Santa, aparecia uma mulher de grande beleza, cor de cobre, apenas coberta com alvos panos e montada num cavalo baio, que desafiava para práticas impuras qualquer cavaleiro, servo ou almocreve, que com ela se cruzasse. Até se dizia que homem que se prestasse a tais práticas ficava amaldiçoado. E olhava-se de soslaio na direcção do monte do Meio quando, nas tabernas, esta conversa vinha à baila.
Quando Guadalupe morreu, quase quarenta anos depois, deixou cinco filhos. Os dois que já tinha quando o marido era vivo, e mais três que foram nascendo depois. Levou com ela o segredo do nome dos pais dos últimos três, porém, todos foram baptizados com os apelidos Rodriguez Potra. E todos os cinco tinham aqueles enormes olhos cinzentos da mãe, de tal maneira marcantes, que ainda hoje se podem ver nos descendentes desta família.
FIM
Rufino Casablanca
Monte do Meio, Agosto de 2000
Bom,já aqui estive a ver e a ler em vermelho o que antes andei a ler, sem necessidade, em castanho e azul.
ReplyDeleteDispenso-me de comentários perante tanto merecimento literário. Discordo é do numero de visitantes.
A Guadalupe deixou uma bela obra:5 filhos,vários pais.Assim falou a Ìndia,cor de cobre,o que ainda hoje aquelas terras persistem em cultivar: fortes,impuros amores.
Será disso sinal,a dedada de filhos/as tais cinco ou mais peças soltas no interior da circunferência?
M.C.
ANB