Em Fevereiro de 1984 a GEL-MAR deixou meia centena de montemorenses no desemprego
As Casas dos Pescadores, criadas em 11 de Março de 1937, eram o elemento primário da organização corporativa do trabalho marítimo, no regime corporativo do Estado Novo. Existiam 29 em todo o país, presididas por inerência dos cargos, pelos Comandantes dos Portos, oficiais da Marinha de Guerra, sendo o Presidente da Junta Central das respectivas Casas dos Pescadores, o Almirante Henrique Tenreiro “patrão das pescas”.
O “problema económico” do abastecimento de peixe, tal qual Salazar o diagnosticara no rescaldo da primeira guerra mundial, assumiu maior acuidade sempre que a conjuntura económica interna e externa introduzia desequilíbrios entre a oferta e a procura, exercendo pressão sobre os preços. Nesses momentos o Estado redobrava cuidados com a gestão articulada das políticas de abastecimento dos produtos substitutivos do bacalhau e da sardinha, em particular do peixe fresco. Não admira, pois, que a criação de uma nova rede de distribuição de peixe fresco em Portugal continental, até aí apenas dependente da Junta Central das Casas dos Pescadores – o Serviço de Abastecimento de Peixe ao País “SAPP” – coincida no tempo com o arranque do programa estatal de promoção do peixe congelado e que ambas as coisas sejam concretizadas numa conjuntura de profundas alterações no mercado mundial de bacalhau salgado seco, e a segunda metade dos anos 50.
O Serviço de Abastecimento de Peixe ao País – “SAPP”, criado em 1956, tinha como finalidade orientar, coordenar e desenvolver a revenda do peixe de arrasto, dentro da orgânica corporativa estabelecida, a sua conservação, filetagem e quaisquer outras aplicações industriais, bem como a distribuição pelos processos julgados mais vantajosos para a economia nacional. Como serviço nacional de distribuição de peixe fresco, e a sua acção, quanto à regularização de processos de distribuição e estabilização de preços, foi depressa reconhecido como um verdadeiro serviço de utilidade pública, tinha como objectivo a cobertura total do País, assentando as grandes bases frigoríficas em Lisboa e Matosinhos com capacidade de 25 mil metros cúbicos. Daqueles dois grandes centros partiam diariamente algumas dezenas de camiões frigoríficos, de grande tonelagem, que transportavam o peixe para os centros consumidores.
Em Junho de 1967, o Serviço de Abastecimento de Peixe ao País, resolveu escolher Montemor-o-Novo para seu “Centro Principal” na zona do Alentejo. O esquema que a seguir se indica é elucidativo da grandeza do empreendimento.
Sede – Montemor-o-Novo.
Subdelegação – Estremoz.
Instalações – Na sede: duas câmaras com capacidade para 260 m3.
Na subdelegação – duas câmaras com capacidade para 31 m3.
Actividade – A zona do Alentejo abrangia as seguintes áreas:
Norte – Castelo de Vide, Alpalhão, Ponte de Sor e Coruche.
Sul – Barancos, Moura, Selmes e Peroguarda.
Este – Portalegre, Campo Maior, Elvas/Caia, Mourão e Amareleja.
Oeste – Pegões, Alcácer do Sal e Odivelas.
O abastecimento estava a cargo da seguinte frota:
Dois furgões Citroen, três carros frigoríficos de pequena tonelagem, um camião e dois reboques frigoríficos de grande tonelagem e um camião isotérmico.
O serviço no Alentejo dispõe ainda de 12 postos fixos localizados nos principais centros de área.
Para o desempenho das funções inerentes aos diversos serviços, a zona conta com 45 empregados.
Na Zona do Alentejo funcionaram sete carros-lojas que actuavam nas seguintes localidades: Évora, Mora, Arraiolos, Igrejinha, Graça do Divor, Pavia, Mourão, Granja, Luz, São Leonardo, Cuba, Alvito, Vila Alva, Vila Ruiva, Viana do Alentejo, Vila Nova da Baronia, Torrão, Pedrógão, Selmes, Marmelar, Alçaria da Serra, Vera Cruz, Coruche, Santana do Mato, Alto da Mata, Cortiçadas de Lavre, Foros do Biscainho, Canha, S. Gabriel e Vidigueira.
Em Montemor-o-Novo o Serviço de Abastecimento de Peixe ao País deu lugar à Gel-Mar
A Gel-Mar Empresa Distribuidora de Produtos Alimentares, Ld.ª surge em 1957, com escritura pública realizada em 12 de Dezembro. Projectada pelo Almirante Henrique Tenreiro, contava com um capital social bem modesto – 500 contos, repartido em quotas unitárias de 100 contos, por algumas das principais empresas de pesca do arrasto. Estavam representadas na Gel-Mar as empresas de arrasto de maiores dimensões, às quais incumbia fornecer matéria-prima (peixe fresco) à recente criada unidade de transformação.
A Gel-Mar surgiu como empresa vocacionada para absorver os excedentes das capturas do arrasto, destinando-os à conservação pelo frio e sua transformação.
A interdependência da Gel-Mar em relação ao SAPP começava na enorme dependência da empresa quanto ao fornecimento de matéria-prima. O que a empresa não adquiria ao serviço comprava em lota, com os inevitáveis efeitos que a presença dos seus funcionários exercia sobre as bases de licitação.
Durante largos anos a Gel-Mar teve que recorrer às câmaras da “Docapesca” contra pagamento de elevadas despesas de arrendamento, uma média de 2.500 contos mensais. Encargos sempre suportados por crédito à banca, contraído a juro elevado, situação que a curto prazo a colocou em estado de descapitalização, inviabilizando qualquer investimento em equipamento de frio, dado que o passivo entretanto acumulado mais não permitiu do que assegurar a aquisição corrente de matéria-prima.
Além das insuficiências em matéria de equipamento e de infra-estruturas, o falhanço do projecto estatal da Gel-Mar ter-se-á relacionado ainda com desajustamentos de ordem técnica entre os produtos oferecidos pela empresa e a reduzida implantação da rede de frio nos diversos segmentos de distribuição e comercialização do pescado em Portugal. Na verdade, bem cedo a empresa se revelou sobredimensionada para as necessidades e infra-estruturas do mercado nacional. Com desastrosos efeitos para a sua imagem e suportando desnecessários custos de armazenagem. Dado que o equipamento de frio, quer no comércio grossista, quer sobretudo no comércio a retalho, foi até 1967 de todo inexistente, exigindo da extensa legião de pequenos comerciantes um esforço que não podiam ou não estavam dispostos a fazer.
Não obstante a difícil situação financeira da empresa, nos anos de 1966 e 1967 a Gel-Mar lançou uma campanha publicitária da “menina – pescadinha”. Invadiu toda a imprensa escrita, rádio e televisão e importou em 10 000 contos por cada ano.
A Gel – Mar foi nacionalizada através do Decreto-Lei n.º 572/76, de 20 de Julho.
Fruto de uma má gestão, o Governo, depois de nos últimos anos ter dispendido com a manutenção da empresa, em subsídios e créditos, cerca de 1 milhão de contos, sem que tivesse evitado a sua crescente degradação financeira, através do Decreto – Lei n.º 57-D/84, de 20 de Fevereiro extinguiu a Gel-Mar e nomeou uma Comissão Liquidatária. O encerramento da Gel – Mar colocou 50 montemorenses no desemprego.
No espaço antes ocupado pela Gel-Mar, está instalado desde 1 de Agosto de 2008, o Pingo Doce
Augusto Mesquita
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