Thursday, April 26, 2012

A HISTÓRIA DA FAMÍLIA TIRA PICOS


Introdução Tira Picos
 Baseado em factos reais vividos por personagens do Alandroal, outros nem tanto, (apenas fruto da imaginação do autor) pretende-se  apenas homenagear personagens do dia a dia que deixaram marcas no Alandroal. Nunca com qualquer pretensão de ofender seja quem for, e muito menos ser considerada como algo de válido no campo da escrita.
Chico Manuel

 PRÓLOGO  
  Se chegarem ao Alandroal e perguntarem pelo Sr. Barnabé da Silva Carrilho Soares, certamente ninguém saberá dizer de quem se trata. Mas, se conhecem o TIRA-PICOS, dizem-lhe logo: ah... o que está casado com a PARDALEIRA.
O TIRA-PICOS é uma daquelas figuras típicas, tão vulgares em cada terra, que são conhecidas, quer pelos seus feitos, quer pela maneira como sabem integrar-se no dia a dia da terra onde habitam.
Não quis o Criador dotá-lo de grande inteligência, mas em contrapartida, talvez devido às dificuldades que passou durante a infância, criou uma espécie de carapaça que sempre o foi protegendo das “armadilhas “ que a vida tece.
O seu nascimento foi logo um acontecimento muito comentado na Vila. Nasceu no mês de Dezembro, e de cabeça aberta. Vejam lá que oito dias antes do parto, a mãe foi ao quintal carregar um madeiro para o lume, mas com tamanha falta de jeito, que encostou o madeiro à proeminente barriga, e, dizem as más-línguas que abriu a cabeça ao feto. De tal maneira que segundo a Parteira, o “menino” deixaria este mundo, antes do pôr-do-sol.
Logo ali, o TIRA-PICOS mostrou que não ia nas conversas dos outros, e, embora ficasse com a cabeça parecida com uma rampa de skait, o certo é que sobreviveu, e goza ainda de excelente saúde.
Teve uma infância como todos os outros da sua idade, pese embora que quando as “brincas” eram touradas, ele fosse sempre o boi, assim como no “jogo da bola” fosse sempre o guarda-redes. No entanto se fosse a “ir aos ninhos”, “apanhar pássaros” ou “ir roubar uvas” não havia quem lhe levasse a melhor.
Demorou seis anos para tirar a quarta classe...mas o certo é que a tirou.
Pouco lhe valeu...pois todos os empregos tentados nenhum deu certo. Experimentou ser empregado de balcão na loja do Custódio, mas não deu certo, pois quando lhe pediram “uma quarta de sabão” foi buscar um cântaro que encheu de sabão, e o pior é que quando um dia viu a filha do patrão no confessionário do Padre Estêvão, foi avisar o dito que a filha andava a espreitar o Padre quando ia mijar. Foi despedido...
Tentou a Guarda.... Mas quando do exame escrito, a pergunta indagava três cidades do Alentejo, e qual a capital, o amigo TIRA –PICOS responde: Estremoz, Borba e Vila Viçosa, e a capital Alandroal.
Ainda experimentou ser Carteiro, e até se ia safando, com a ajuda dos conterrâneos, enquanto se limitou ao Alandroal, o pior foi que um dia foi fazer serviço a Estremoz, e no Bairro da Cruz Vermelha, perguntou a uma Cigana se conhecia Fulana, e a Cigana se prontificou a levar todo o correio para o bairro... que ela entregava. Ainda hoje as pessoas estão esperando pelas cartas. Constitui mistério para muita gente como é que o TIRA-PICOS, conseguiu “puxar” namoro à Maria Amélia, moçoila bem apessoada, que vivia com seus pais no Monte da Bujarda lá para as bandas de Pardais.
Certo é que após várias peripécias, que futuramente irei contar o TIRA-PICOS, namorou, casou e teve filhos, e lá se vai safando....

 O NAMORO 
 Afinal foi numa “aceifa”. Como os empregos tentados nenhum bateu certo, o amigo TIRA-PICOS não teve outro remédio senão deitar mãos ao trabalho “do campo”.
Foi assim que foi fazer uma “aceifa” para o Monte das Bujardas, e lá travou conhecimento com a Maria Amélia, filha do Patrão, pouco mais esperta que o nosso amigo, mas reinadia e sempre pronta para a brincadeira.
“Eles” lá se entenderam e passada uma semana eram já frequentes os encontros no palheiro do monte.
Certa noite, desconfiado dos barulhos que provinham do palheiro o patrão e pai da Maria Amélia, resolveu investigar. Iria tudo correr bem, pois deram pela entrada do patrão e depressa se esconderam, no entanto, e quando o mesmo perguntou “quem está aí?” o amigo TIRA-PICOS, mais parecendo o Romeiro do Frei Luís de Sousa, resolveu responder “ não está cá ninguém!”. Bem... a Maria Amélia ainda fugiu, mas acertou contas lá em casa, o Tira – Picos levou tanta “bordoada” que no dia seguinte quando depois de despedido apareceu em casa parecia mais preto que branco, tais as nódoas que ostentava.
Mas... o namoro continuou, embora com os cuidados devidos, o que não obstou que certa noite fugindo pelos campos fora, era tal a correria que mergulhou de bico num pego da ribeira do Alcalati, sendo necessária a ajuda do futuro sogro para o retirar e não morrer afogado. Ou uma outra em que fugindo em louca correria se meteu no meio das vacas bravas do Caixeirinha, sendo obrigado a passar o resto da noite dependurado num chaparro, até que o moral viesse “tocar” o gado para outras bandas.
Cansado de tantos azares, e porque tudo tem o seu fim o TIRA-PICOS, teve que propor o Casamento. Ou antes o “Amiganço”, pois casamento os pais dela nunca iriam consentir.
Assim, ficou combinado que pelo São João a Maria Amélia, pela calada da noite escaparia de casa paterna e iria ter a casa dos pais do namorado, para consumação do acto.
Ela foi...mas as coisas não correram como esperado.....
Eu depois conto como foi...
 O AMIGANÇO - 1ª Tentativa
E assim foi. Pé ante pé, pela calada da noite, iludindo a vigilância paterna a Maria Amélia meteu pernas à estrada a foi caminho do Alandroal, para aquela que seria a sua noite de núpcias.
Mas era noite de S. João e havia as “fogueiras” na Rua de Santo António. Para ficar com a casa toda para si o TIRA-PICOS lá convenceu a família toda a ir ao bailarico, mais a mais que a acordeonista dessa noite iria ser acompanhada à bateria pelo Caiveirinha, que iria estriar uma aparelhagem nova.
Curioso o TIRA-PICOS foi dos primeiros a postar-se junto ao estrado do “toque” e a ficar fascinado por aquela coisa que se movia para baixo e para cima, e a qual ao bater uma na outra emanava um som tão bonito! Não descansou enquanto não “estudou bem” o funcionamento daquilo, e verificou que se movia consoante a pedalada dada pelo Caiveirinha. Eram pura e simplesmente os “pratos” da bateria movimentados pelo pé.
Resolvido a estragar o ritmo imposto pelo tocador, não esteve com meias medidas: meteu os dedos entre os pratos no preciso momento em que os mesmos faziam o movimento descendente. Bem... o sangue espirrou por tudo quanto era sítio e os dedos do TIRA-PICOS ficaram que nem fiambre no meio de uma tosta.
Pânico instalado, gritos e ais por todo o lado, e a família do desgraçado a caminho do Hospital de Évora onde passaram a noite.
Entretanto, à porta do TIRA-PICOS, esperava e desesperava a infeliz Maria Amélia e só quando a manhã começou a despontar e as pessoas a regressar a casa resolveu tomar o caminho de regresso.
Felizmente o pai havia saído cedo, e ninguém deu pela falta da Maria Amélia durante a noite no monte das Bujardas.
 O AMIGANÇO – 2ª tentativa
Logo que lhe foi possível o TIRA-PICOS, iludindo, mais uma vez a vigilância paterna foi dar uma justificação à MARIA AMÉLIA dos motivos do fracasso do plano.
O amor tudo perdoa e a MARIA AMÉLIA foi facilmente convencida a repetir a proeza, mais a mais que o “brutamontes” do pai nem sequer se tinha apercebido da sua fuga. Mas impôs uma condição: Agora só aceitava “juntar-se” se tivesse casa própria. E não é que o TIRA-PICOS arranjou mesmo uma casita lá para os lados do bairro das “AVESPERAS”! E até fez chegar à namorada uma chave da casa?
Foi acordado que na noite de S. Pedro (já que não havia sido na noite de S. João) por volta da meia-noite a MARIA AMÉLIA, iria ter à sua nova casita, onde o TIRA – PICOS a esperava.
Só que era noite de S. Pedro, e voltava a haver “fogueiras” e enquanto não era meia-noite o nosso amigo foi dar uma volta ao bailarico. Só que desta vez não se chegou tão pouco ao pé do “toque”, preferindo ir “encostar-se “ ao bar. A aventura passada no bailarico anterior, era motivo de conversas e o nosso amigo, teve que repetir vezes sem conta como as coisas tinham acontecido, e “cravando” uma cervejita cada vez que repetia a história. Foram tantas que passou a meia-noite, a uma, as duas... até que o TIRA PICOS ficou a dormir encostado a uma mesa.
Só acordou quando o amigo Badalico o despertou, para lhe dar os parabéns.
Parabéns? Porquê? Ainda estás a gozar? Parabéns pelo casamento, homem! A moça de Pardais, está desde as onze horas, na tua nova casa!!! “Amigas-te” e não dizes nada aos amigos!!!
O TIRA-PICOS ainda foi a correr para casa.... mas a prometida, mais uma vez desiludida, já tinha  regressado ao monte das Bujardas.
Só que desta vez... o pai estava já acordado.
O AMIGANÇO – À TERCEIRA FOI DE VEZ
Ainda tentou a pobre Maria Amélia, desculpar-se dizendo que tinha ido dormir a casa da sua amiga Genoveva, mas a “coisa” não deu certo pois foi logo onde o pai a foi procurar, quando pela manhã a dita não compareceu para o ordenho das vacas e tratamento das galinhas. A “sova” foi inevitável e a seguir a proibição de sair do Monte.
O Tira-Picos, desesperava, e maldizia aquela maldita “sigueira” que tinha pela “buìda”, que deitou tudo a perder naquela maldita noite de S. Pedro. E da “prometida”... NADA. Nunca mais chegou à fala com a sua amada, pois a vigilância paterna não dava qualquer hipótese.
Até que certo dia, lhe apareceu a Genoveva com uma mensagem da Maria Amélia que lhe pedia para a ir buscar no Sábado seguinte logo pela manhã à porta do Monte.
NÃO HOUVE OUTRO REMÉDIO....
O que a “pobre” desconfiava teve confirmação ao fim de um mês. Estava “AMANHADA”!
Ainda desabafou com a amiga Genoveva, que lhe disse que tinha lido num papel que iria estar no Alcalati um barco com um nome estrangeiro e que fazia “DESMANCHOS”...mas por azar o Presidente da Junta aconselhado pelo Senhor Prior, não deixou o barco atracar no ribeiro, e desmanchos só em Évora, e por sinal bastante caros...pelo que não houve outro remédio senão “JUNTAR-SE”.
O nosso amigo é que rejubilou com a novidade, e não perdeu tempo... sabia que Sábado era dia de mercado em Vila Viçosa. Que os futuros sogros “marchavam” logo pela manhã para o dito cujo. Não perdeu tempo...pediu ao Sinfróneo a “motorizada” e ala que ele aí vai buscar a Maria Amélia ao Monte das Bujardas.
Ao subir a ladeira das “Bispas”, ainda perdeu a “noiva”, mas antes da entrada triunfal na sua nova casa, teve tempo de voltar atrás e “montar” (na bicicleta, claro) a sua, agora mulher.
A partir dessa altura a Maria Amélia, do Monte das Bujardas, em Pardais, deixou de ser a Maria Amélia para passar a ser a PARDALEIRA, mulher do TIRA-PICOS.
A PRIMEIRA ZARAGATA
 Quanto mais a gente as guarda pior. Dizia o pai.
Olha a sonsinha, parecia que não quebrava um prato, e vejam lá. Diziam as vizinhas
É bem feito. Então o que queriam? Com um pai daqueles!!!
Ela já está mas é “prenha”.Diziam os mais espertos.
Certo é que o casal já estava a usufruir da “comunhão de bens” há um mês, e “trambolhão” daqui “trambolhão” dali lá se iam safando. Mais a mais que o Tira-Picos, parecia agora ter mais juízo, pois as idas à taberna tornaram-se menos frequentes e até tinha arranjado um “trabalhinho”, a colocar “fundos de buinho” em cadeiras de madeira e o Ceguinho Zé Rita tinha-lhe prometido ensinar a fazer cestos de verga. Trabalhos sentados, pois claro, pois dobrar o espinhaço era coisa que fazia comichões ao Tira Picos.
Vejam lá que o amigo Maçaneta, até o tinha convencido a ir para a música, pois ser da Banda sempre dava um certo prestígio: corriam-se as Festas todas, e ainda se ganhavam umas massas.
Enfim tudo corria pelo melhor, até que houve um baile na Sociedade da Musica, e onde o nosso amigo fazia questão de marcar presença, não só para mostrar que também ele já tinha mulher, como também para ficarem a saber que de futuro ele seria mais um elemento da Banda, e como tal com direitos adquiridos.
Ao almoço a Pardaleira disse ao marido que para ir ao baile teria que arranjar o cabelo (fazer uma permanente), o que bem vistas as coisas até se tornava necessário, e o Tira-Picos concordou. Só não esperava é que chegada a hora da janta, de Maria Amélia... nada. Oito, nove e quase dez quando, o “espantalho” no dizer do Tira Picos se apresentou, e ainda por cima depois de alguns “berros” lhe comunicou que a modificação visual tinha custado 40 mil réis. Precisamente o dinheiro que tinha feito nesse dia com a colocação de fundos nas cadeiras, e que ele esperava “esturrar” no “emborque” de umas minis no baile. Mas o pior ainda estava para vir quando a Maria Amélia lhe comunicou que tinha que pôr uma gravata, caso contrário não iria ao baile. Era o que faltava...as “arreatas” são para os burros, e se nunca ninguém me obrigou a coisa que eu não quisesse fazer não és agora tu que me obrigas a andar amarrado. Se não queres ir não vais...mas eu vou, e num acesso de fúria atira-se às “gadelhas”da mulher, e estraga-lhe o penteado, não ficando ele melhor pois a camisa foi ao ar!
Foram ao baile...ela de gorro enfiado no “toutiço” e ele sem camisa.
 Na Banda
Tantas foram as “arremetida” do amigo Maçaneta, para que o Tira - Picos fosse para a Banda, que lá o convenceu  um dia a se apresentar ao Mestre Mendes, para ingressar na Banda. Aquilo até não era estranho para ele, pois em pequeno, o Pai quis que ele fosse aprender música, só que a brincadeira e a vadiagem falaram mais alto e o nosso amigo não passou do dó.
Ora se em novo não passou do dó, agora não passava do ré, e ao fim de alguns meses, como se veio a verificar que não dava uma para a caixa, mais por descargo de consciência o Maestro distribuiu-lhe a caixa, pois rufar já ele sabia. Só que marchar e acompanhar outras músicas “está quieto”, o que deu azo a que outros músicos, como o Cachacita, começassem a protestar, o que criou um mau estar, que aos poucos ia destabilizando a Banda.
A primeira saída deu-se na alvorada do 1º de Dezembro, e logo aí se viu que as coisas não iam correr a contento, pois como o Tira-Picos não acertava o compasso, a marcha era frequentemente interrompida, não restando ao Maestro senão ordenar: “rufa Tira Picos”. Até passar pela sua casa e ser visto pela sua “Pardaleira” o Tira-Picos rufou, mas depois virou-se para o Mestre e disse: só continuo a rufar se tocar a Banda, pois não estou para ser só eu a trabalhar e outros ganharem o dinheiro. Quem não gostou, e com razão foi o Cachacita, que logo ali ultimou: ou eu ou esse nabo. Ora se era coisa que o Tira-Picos não gostava era que lhe chamassem “nomes” e logo ali a caixa se foi enfeixar na “ marmita “do Cachacita, enquanto o bombo foi servir de cachecol ao mestre Ambrósio e até a tuba do Colunas serviu de barrete ao Tira – Picos, que berrando “isto não fica assim”, meteu a primeira e desandou para casa, não sem que antes o Saloio lhe tenha “berrado” “há pois não, agora incha”.
No rescaldo dos acontecimentos, foram cinco os elementos que abandonaram a Banda, mas o Tira –Picos , esse continuou.... mas não por muito tempo....
 O FIM DO SONHO NA BANDA
 Bem ou mal, o Tira-Picos, lá se foi aguentando como elemento da Banda, lá se foi acostumando a “tocar caixa” mais ou menos, e lá ia correndo as Festas todas, à custa da Banda. A mulher lá lhe aviava os “comes e bebes”, e volta e meia lá aparecia nas Festas para apoiar o seu marido, e embasbacar-se com o seu aprumo quando marchava. E então nas Procissões! Toda ela se “babava” quando ele acompanhava a cadência dos passos dos fiéis enquanto a Banda criava novo fôlego. Até os sogros já se deslocavam, para acompanharem o genro, naquelas Festas circunvizinhas. E depois sempre entravam mais uns tostões para o orçamento familiar, pois o negócio de deitar fundos nas cadeiras ia de mal a pior.
Enfim, tudo corria pelo melhor até que a Banda foi contratada, por dois dias, para fazer a Festa de S. Brás. Na altura e devido há falta de transporte era hábito os elementos da Banda pernoitarem na localidade onde iam actuar, e como era de Verão levavam umas mantas e estendiam-se por ali. Só que durante a noite arrefeceu, e o Tira-Picos viu na Igreja um bom local para”ferrar o galho”. Começou por dependurar o boné na cabeça do Santo, depois vestiu-lhe o casaco, achou graça e vestiu-lhe as calças. Parecia um músico a sério. Não esteve com meias medidas Pôs-lhe a caixa a tiracolo, e as baquetas nas mãos. Riu-se da sua graça, e ferrou o sono num dos bancos da Igreja.
Aglomeravam-se os fiéis à porta da Igreja, para assistirem à Santa Missa e depois à Procissão do seu Padroeiro, quando o Padre abre a porta da Igreja e dá com aquela cena!
A indignação foi geral, e quando assim é, todos são culpados. A banda foi logo devolvida ao remetente, não sem antes alguns músicos sentirem na pele a fúria de uma população indignada.
Perante tal façanha o Tira – Picos foi de imediato suspenso das suas funções, e marcada uma Assembleia-geral com o fim de ditar a expulsão definitiva do Tira – Picos da Sociedade da Música.
Quem não achou graça foi a Pardaleira que não deixou passar a oportunidade para lhe “xingar” os miolos, até porque o tempo que passava na Música não a estava a “moer” além de que o dinheirinho dos serviços sempre dava uma ajuda!!!
Ao fim e ao cabo quem pagou “as favas” foi a mulher, e assim se somou mais uma “briga” no casal.
 A Assembleia-Geral
 O salão estava à cunha...todos queriam saber o desfecho da causa porque a Banda tinha sido “corrida” da Festa do senhor S. Brás, e os motivos porque o Tira-Picos, era acusado de causar o descrédito da Filarmónica.
O Tira-Picos havia sido convocado, por carta, registada e com aviso de recepção para estar presente. Fez questão de se fazer acompanhar pela sua cara-metade D. Pardaleira que embora a contra gosto não deixou de acompanhar o seu mais que tudo.
Quando chegaram todos os lugares sentados estavam já ocupados, e logo na primeira fila muito senhor dos seus pergaminhos como elemento imprescindível da Banda estava o Cachacita, ódio de estimação desde o princípio, das lides filarmónicas do Tira-Picos
Há aqui Sócios que estão sentados, e não são Sócios, e Sócios que são Sócios e estão de pé” sentenciou o Tira-Picos numa indirecta ao Cachacita, que embora elemento da Banda e devido ao seu estatuto de “imprescindível” estava isento do pagamento de cotas. E há músicos que em vez de tocar zurram, respondeu o visado...seu malcriado, não vê que está aqui uma mulher casada e ainda por cima em estado interessante e não é capaz de lhe dar um “assento”? Ninguém a mandou cá vir... isto é para homens...não é para mulheres.
Aselha de merda, nem habilidade teve para casar...até duvido se não será...?
Sou solteiro, mas com mais prática de casado do que tu, merda seca.
Esta é que não “calhou “ bem no ouvido do Tira Picos, que relacionou a resposta como uma insinuação ao comportamento da sua esposa, e vai daí... o que estava mais à mão era o quadro do Senhor Presidente da Direcção... Serviu de colar ao Cachacita.
Não houve mais Assembleia-geral... houve isso sim um arraial de porrada, que só terminou quando as forças da autoridade intervieram.
O Tira-Picos foi posto na rua, e obrigado a pagar os estragos causados... Nunca pagou e volta e meia estava pregado na Sociedade da Música.
Em Casa dos Sogros
Escusado será dizer que todas as façanhas protagonizadas pelo Tira-Picos chegavam ao conhecimento dos pais da Pardaleira, que com grande mágoa iam constatando o “embrulho” em que a sua filha se tinha metido. Tudo isto “mexia” com o bondoso coração de D. Pulquéria, que a toda a hora lamentava o “mau passo” dado pela filha.
Não pode ser, temos que fazer alguma coisa, eles não podem continuar a viver assim, lamentava-se a Senhora!
Deixa-a estar, ninguém a mandou não ter cabeça. É bem feito, uma magana daquelas, que nunca lhe faltou nada...
Bem... as mulheres conseguem tudo, quando querem, e por fim D. Pulquéria lá convenceu o marido a dar guarida ao casalinho.
O Tira-Picos, ao princípio ainda se mostrou renitente, mas como os amigos não lhe perdoavam, aquela de fazer do quadro do Presidente da Direcção um colar para o pescoço do Cachacita, e nem já sequer tinha um amigo para beber um copo, além de que a vida cada vez se tornava mais difícil... lá acedeu a passar uma temporada no Monte das Bujardas.
Ainda que o sogro não lhe mostrasse os dentes, e a conversa entre os dois fosse como a “lavoura dos burros”, sempre enviusada, D. Pulquéria lá deitava água na fervura, e o Tira-Picos lá ia “enchendo a mula”, dormindo boas sestas, e fumando umas cigarradas. Até que um dia, (há dias em que um homem não devia levantar o coirão da cama), depois do almoço, e querendo ser prestável o Tira-Picos, prontificou-se a ir levar as cascas da melancia, devidamente migadas, ao galinheiro, onde coabitavam as galinhas, os coelhos e os pombos. Foi a perdições... a porta ficou aberta... os coelhos marcharam todos, os pombos foram um regalo para os caçadores... e as galinhas acharam um bom “entretém” debicando na horta, onde tudo foi ao ar, desde os alhos ás alfaces e até o canteiro dos temperos não escapou.
Ficou “bruto” o dono da casa. Sentado ao lume quando a esposa lhe perguntou o que se fazia para a janta: sei lá...vai lá ver se ainda se aproveitam alguns espinafres.
Eu vou... sentenciou o Tira-Picos
E foi...
Voltou com uma braçada de espinafres, que nem precisaram de ser arrancados, pois as galinhas já se tinham encarregado de tal.
Onde quer que ponhas os “pinafres”?
Se calhar aqui no lume! Diz o sogro.
Ora não foi tarde, nem foi cedo... espinafres para o meio das labaredas, que já se faz tarde!
Malandro!!! Ponha-se na rua...não basta ter ficado sem a horta ainda faz pouco de mim!
RUA.
O Tira-Picos, foi... mas foi curtir as mágoas para a tasca do Pirolito...antes não fosse...
 PONTO FINAL NA ESTADIA EM CASA DOS SOGROS
 Se foi por ser parvo, ou se foi para fazer pouco do Sogro ainda hoje se está por saber o que levou o Tira-Picos a deitar os espinafres no lume. Certo é que a “coisa” não pareceu nada bem, e o Tira-Picos meteu o rabinho entre pernas e foi “curtir” uns “copos” na tasca do Pirolito.
Conversa puxa conversa, copo puxa copo, quando mal se descuidou estava com “uma “ de “caixão à cova”, a tal ponto que tiveram que ir levá-lo a casa, onde a esposa o esperava.
Deitaram-no no sofá que estava logo ali à mão, onde ficou a “curti-la”. Só que a “magana” era chorona, e o Tira-Picos desatou a chorar, de tal forma foi o “cagarim”, que conseguiu reunir o resto da família à sua volta.
E chorava... chorava a tal ponto que a Pardaleira muito pesarosa desabafa para a mãe: Coitado, está mesmo arrependido... não deixa de chorar.
Deixa-o chorar... quanto mais chora...menos mija. Responde o pai.
Não mija... mas é uma merda é que não mija...
E não esteve com meias medidas. Saca do “instrumento” e zabumba enfia-lhe uma valentíssima mijadela, mesmo diante dos sogros, deixando o sofá numa lástima.
Foi o ponto final, da estadia em casa dos sogros.
Ainda nessa mesma noite, palmilhou o caminho de regresso ao Alandroal, sem mesmo se dar conta porque tinha sido posto na rua.
Também a Pardaleira custou a perdoar-lhe tal desaforo só regressando a casa passado quinze dias... mas o amor é assim!!!
 O REGRESSO DA MULHER AMADA 
Tudo o que se passava com o Tira-Picos, nesta malfadada fase da sua vida ia sendo seguida pela sua Pardaleira, que no Monte das Bujardas ia cada vez mais deixando dissipar o mau estar provocado pela “mijadela”do seu mais que tudo, naquela triste noite em que foi afogar as mágoas na tasca do Pirolito.
Não podia, mais a mais sabendo, que após a última peripécia o mesmo havia sido “encanado”, deixá-lo ao abandono. Após uma conversa com a mãe, já que o pai estava difícil de domar lá conseguiu arranjar uns tostões, um farnel e regressou ao lar.
Entretanto o Tira-Picos, dado que o roubo não havia sido consumado, foi posto em liberdade.
Que alegria, quando chega a casa, e vê a sua mulher! Que alegria quando soube que alem dos “cobres” doados pela sogra, ainda havia um “arroz tostado” feito com a galinha que a esposa “acarinhou” no Monte e uma “canjinha”. Tal banquete merecia “uma pinga” , e o nosso homem foi buscar  na tasca do Sinfrónio uma “litrada”. Até resistiu a um copo que lhe ofereceram, mas ficaram-lhe nas narinas o cheiro dos caracóis que serviam de petisco.
Foi um regalo, depois da “janta” o serão passado em casa com a sua Pardaleira. Fez esquecer todas as necessidades porque havia passado. Havia que lhe dar a devida recompensa. Depois de dar voltas e mais voltas à cabeça acudiu-lhe o “cheirinho”dos caracóis. Pois é! Apanhar caracóis não é roubo e ele sabia bem que na Horta da Formiga havia muitos e por sinal grandes e bem gordos. Foi só a questão de arranjar um tacho, meter os caracóis lá dentro, chegar a casa e pô-los ao lume. Enquanto os caracóis coziam, foi beber um copo, mais que a esposa não estava em casa atarefada que estava nos cumprimentos às vizinhas.
Foi um desastre total...havia ranho por tudo quanto é sitio na cozinha...e os caracóis na medida em que a água ia aquecendo iam-se raspando pela casa toda e deixando o seu rasto pelas paredes. Até no quarto e na cama havia caracóis.
O pior é que a mãe da Pardaleira havia convencido o marido a irem visitar nessa noite a filha, e até era para jantarem lá....
A VISITA DOS SOGROS)
Bem se esforçaram para apagar os vestígios deixados pela fracassada cozedura dos caracóis, que deixaram rastos da sua presença por tudo quanto é sitio. E tanta esperanças que o Tira-Picos tinha em conquistar as boas graças do sogro oferecendo-lhe um petisco de caracóis. Sempre conheceu os “bichinhos” como sendo “mansos”, quem lhe havia de dizer que se “espantavam” de tal forma com o calor! E depois sabia ele lá que precisavam de ser lavados e que para serem consumidos tinham que levar tempero?
Pelo sol-posto lá se apresentaram os pais da Pardaleira, munidos de alguns mantimentos, que a extremosa mãe conduida pelo mau viver da sua filha sempre ia “acariando”. Até um bolo de alguidar tinha feito para levar à filha...
Quando chegaram estava a casa virada de pernas para o ar, e o casalinho atarefado à caça dos malditos caracóis que se haviam espalhado por todo o lado.
Mas...o que é isto? Sabe lá: caiu-me uma praga de caracóis em casa, que não consigo dar conta disto! Caracóis? Pois...isto deve ter sido por causa de umas couves que trouxe lá do Monte e que deixei no “poial dos cântaros”. Devem ter passado a noite “na pouca-vergonha” e agora resolveram passear pela casa toda.
Quem não ficou lá muito convencido foi o “velho” que viu logo que devia ter sido mais “alguma” daquele parvalhão. Até porque o cheiro que se espalhava pela casa não deixava margem para dúvidas.
 Logo ali pensou em dar de frosques e voltar para o Monte. Mas enfim, já que tinha ido para jantar e fazer “as pazes” com o genro, o melhor era esperar.
Decorria o jantar pelo melhor, o pai da Pardaleira até já tinha perguntado, como é que iam as coisas, quando a mãe começa a sentir uma coisa estranha e viscosa a subir-lhe pelas pernas. Habituada que estava a que a única coisa que lhe subia pelas pernas era a mão calejada do seu homem agora aquela coisa mole por aí acima fez-lhe dar cá um destes pulos que tudo o que estava em cima da mesa foi de “pantanas”.
Há velha dum cabrão agora entornou esta merda toda...lá se foi o jantar para o maneta, ainda por cima me queimou com o caldo.
Foi o ponto final na tentativa de reconciliação. De carro de praça regressaram ao Monte, e só mais tarde por altura do baptizado do Nelinho é que tentaram nova reconciliação.
Tudo por causa de um “abelhudo” caracol, que sabe Deus, com que intenção se preparava para se alojar, sabe Deus onde, na carcaça da mãe da Pardaleira.
Vá lá que no meio dos estragos ainda se safou o “bolo de alguidar” que serviu para consolo do casalinho.
SEM JEITO PARA ROUBAR
Ia de mal a pior a vida do Tira-Picos, estava como a lavoura dos burros, torta e enviusada, ou se quiserem sem tralho nem maravalho. Sem a mulher para lhe fazer as sopas e coser os trapinhos, sem trabalho, ainda por cima o negócio do fundo das cadeiras estava cada vez mais fraco, e por mais que o Ceguinho Zé Rita lhe ensinasse a fazer cestos de verga os mesmos nunca saiam capazes de ser transaccionados.
A fome apertava, o dinheiro escasseava, e como na infância era mestre a surripiar o alheio, o Tira-Picos não arranjou outra forma de enganar o estômago senão ir às hortas pilhar qualquer coisa.
A primeira tentativa foi na horta do Adelino, onde haviam duas figueiras, que dito por todos davam os melhores figos de S. João, no Alandroal. Foi fácil entrar na quinta, pois o portão estava sempre aberto, e mais fácil ainda comer a canastra de figos que o dono já tinha apanhado. Só que para o Tira-Picos uma canastra não chegou e ainda provou mais alguns colhidos da própria figueira. Foram dar com ele, com uma barriga inchada de palmo e meio, olhos esbugalhados e vomitado por tudo quanto é sitio. Quando no Hospital o Médico lhe perguntou o que tinha acontecido o Tira-Picos responde: Comi uma canastra de figos e mais uns oitenta, e comecei a ter uma leve dor de barriga, depois não me lembro.
As laranjas do João dos Pereiros eram das melhores: da baía, grandes e docinhas como mel. Só que para entrar na horta era um problema. O muro era alto e ainda por cima tinha cacos de vidro no cimo. Mas nessa noite o Seabra deixou o “carro da mula” encostado à parede, e de cima do carro era fácil saltar lá para dentro. Seria mesmo nessa noite, e nada melhor que trazer logo uma saca de laranjas. Se bem o pensou, melhor o fez. Só que o carro não estava travado e quando em cima dos taipais o Tira-Picos se preparava para saltar, o carro desliza e não teve outro remédio senão agarrar-se ao muro, cortar as mãos nos vidros, mas saltou lá para dentro, enquanto o carro se espatifava no muro em frente. Todo este “cagarim” despertou o dono. Deixou-o comer as laranjas até matar a fome, deixou-o encher o saco, mas depois, enquanto o Tira-Picos dava voltas à cabeça para encontrar maneira de se raspar, apareceu, e deu-se ao trabalho de lhe esfregar “nas trombas” as laranjas uma a uma. Na manhã seguinte o Tira-Picos, parecia, na voz da velha Amélia, uma alma do outro mundo, com os dedos entrapados e a cara toda inchada.
Estava visto: com fruta não se safava. Experimentou então galinhas. E como na horta do Zé Cuco, as mesmas depenicavam à vontade, e o muro não era alto viu uma maneira fácil de “pescar” galinhas. Bastou-lhe arranjar fio de coco, um anzol, pôr na ponta do mesmo uma fava e fazer o lançamento. Não demorou que uma caísse no engodo, e quando se preparava para engolir a fava, bastou um puxão e ela aí vem, asinhas a bater a caminho do pilha galinhas.
Azar dos azares...a guarda ia a passar e dá com aquele estrafego. Com que então a roubar galinhas? Raios partam isto. Estava a praticar para fazer uma boa pescaria amanhã na “rebêra” e a merda da galinha come-me o isco e ainda por cima dá cabo do anzol.
Nessa noite o Tira-Picos dormiu na cadeia, mas pelo menos teve um bom jantar e ainda por cima acompanhado por um copinho.
 TIRA-PICOS EM LISBOA
Gozava o nosso amigo a soalheira do Outono, refastelado num banco da Praça, quando passa o Presidente da Câmara e lhe diz: Tira-Picos, amanhã, logo pela manhã passa lá pela Câmara que eu preciso de falar contigo.
Má... Maria, para ser chamado à Câmara, coisa boa não era... Seria por causa dos caracóis que apanhou na Horta da Formiga? É que atrás dos caracóis sempre vieram uns marmelos, coisa pouca, só o suficiente para a sua Maria fazer umas “chávenazinhas”de marmelada. Mais até a pensar nela, porque era coisa a que ele não dava grande apreço.
 Nem dormiu...e logo pela manhã se apresentou no gabinete do Presidente. Afinal não era nada do que ele esperava...
Olha lá... a Câmara recebeu um convite para se fazer representar numa Feira de Artesanato, em Lisboa...e eu lembrei-me de ti. Queres ir?
Lá feira sabia ele o que era... pois além da de S. Bento, já tinha ido às de Vila Viçosa, e até à de Borba, e era “coisa” que gostava...mas artesanato? Que diabo é isso?
È... estares lá sentadinho, a pores fundos de buinho nas cadeiras, e depois de prontas podes vendê-las por bom preço. Vai lá falares com a tua mulher e amanhã vens cá dar a resposta.
Lá falou com a mulher, que até o incentivou a ir, mais a mais que estava no último mês de gravidez... gostava de ir ter a criança no Monte, ao pé da mãe...e depois quem sabe até vendesse umas cadeiras... pois no Alandroal já tudo estava servido no que diz respeito a tal material.
Mas antes, e na tasca do “Sinfrónio” ainda pediu conselho ao seu amigo “Maçaneta”, pois não fazia ideia de como chegar a Lisboa.
Isso é as menos... apanhas a “automotora” em Vila Viçosa, ficas mesmo no “Barrêro”, atravessas o “rebêro” no “vapor”, apanhas um “carro de aluguer” e pedes para te levarem lá... “aprovêta” homem... se não venderes as “cadêras”, pelo menos “vás a Lesbôa”.
E lá foi comunicar ao Presidente que sim senhor... iria lá à tal feira, e que faria as cadeiras que fossem preciso.
Levas aqui cinco contos, para comprares uns “atados de buinho”, eu já disse ao carpinteiro que fizesse as cadeiras e no Sábado uma camioneta vai levar-te a Vila Viçosa para apanhares o comboio. Quando lá chegares entregas esta carta ao homem da entrada e ele diz-te onde ficas, onde vais dormir e comer. As cadeiras que venderes o dinheiro é para ti... agora vê lá como te portas!!!
E assim foi... dez cadeiras sem fundo, três atados de buinho, comboio até ao Barreiro, Cacilheiro até ao Terreiro do Paço... e o mais difícil convencer um Táxi a levar a tralha. Mas conseguiu...só que quando o condutor perguntou para onde? O Tira-Picos: para a feira.
Pronto já cá estamos... passa para cá uma milhena, que já estás à porta da feira. Com o material à porta, quando entregou a carta ao porteiro... Homem isso não é aqui... aqui é a Feira Popular, tu queres ir é para a FIL.
PORRA... ainda agora cheguei, e já me estão a tramar...
 NA FEIRA DE ARTESANATO
Foi uma carga de trabalhos, para arranjar novo táxi, que quisesse transportar, o Tira-Picos, e a “tralha” que o acompanhava para o local certo. Teve que ser por “ajuste directo”, com o auxílio do Porteiro da Feira Popular e mesmo assim só com o desembolsar de duas de mil. Uma carga de trabalhos, que já fazia com que mal dissesse a hora em que tinha aceite tal proposta.
Mas lá conseguiu chegar ao destino certo, e após mostrar a carta do Presidente, deixou o “material” em sítio seguro, usufruiu de uma boa jantarada, e de uma confortável dormida, em colchão macio que até fez com que esquecesse a sua Maria.
 Tinha ordem de se apresentar às nove, para ter pelo menos duas cadeiras prontas, para quando a Exposição abrisse à tarde. E cumpriu.
Deram-lhe uma “casinha” e disseram-lhe: vá pondo fundos nas cadeiras, e quando alguém quiser comprar: venda.
Bem... o Tira-Picos nunca se tinha sentido tão feliz. Primeiro toda a gente, (e se havia gente), parava para ver a sua habilidade, depois nunca tinha visto tanta “cara bonita”, e se eram “jeitosas”... e as luzes que aquilo tinha! Razão tinha o Labumba, quando dizia que não havia nada como Lisboa! Ih...e como as cadeiras se vendiam... aquela gente devia ter mesmo o cu frio, e precisavam de fundos de buinho para aquecerem o rabo. Não é nada... logo no primeiro dia vendeu o material todo, o que valeu foi o homem encarregado da feira ter comunicado à Câmara para mandar mais... e mandou.
O melhor é mudar-me para Lisboa. Ainda foi perguntar ao homem que mandava se podia continuar o negócio ali...mas nada feito, Aquilo só funcionava por uns dias, depois o lugar era para outras coisas...
Tudo corria pelo melhor, e o Tira- Picos, já pensava ter tirado a “sorte grande”. Mas ao lado estava um galego, que passava o dia a “malhar” sola, fingindo estar a “deitar meias solas, tombas e viras”, em sapatos, mas que fazia um negocião a vender botas caneleiras.
Como eram vizinhos, tornaram-se amigos...e como ambos nunca tinham tido vida boa, e tão pouco se acharam alguma vez com umas notas, um dia diz o Galego: oh compadre... e se a gente esta noite fossemos às “maganas”? Atão não havemos de ir? Logo à noite depois do jantar, aluguemos um táxi e...vamos
E foram...
Coisa linda... o taxista deixou-os à porta de um bar. Nunca o Tira-Picos pensou que existisse tal coisa...a música era linda... só “tangues”, as mesas para se sentarem todas bem compostas, com toalhas e tudo, a luz era de muitas cores, mas aquilo parecia tudo vermelho, e até mudavam para outras cores, conforma a música tocava. Não havia cá vinhos tintos ou brancos, nem sequer bagaços, só “buìda fina”. Tanto que ele tinha para contar quando regressasse ao Alandroal! Até iam morrer de inveja.
E as “maganas”? Aquilo é que eram mulheres! Bem vestidas, bem compostas e que bem que cheiravam!
Bem dizia a hora em que o companheiro da “casinha” do lado o tinha desafiado. Até quando lhe vieram oferecer um charuto não se fez rogado.
E quando duas perguntaram se, podiam sentar-se na mesa, todo o Tira-Picos se desfez em sorrisos para que as mesmas os acompanhassem.
Vieram mais bebidas...e tudo estava a correr pelo melhor quando o amigo Galego se sai com esta: Compadre...tenha cuidado olha que “isso” é um homem!
Podia lá ser... uma coisa tão bonita com umas “mamas” daquelas... o homem é parvo!
Mas pelo sim pelo não... O melhor era tirar dúvidas. Foi subindo a mão pelas pernas do “travesti” e quando confirmou que o colega tinha razão... deu tal apertão nas “partes” do outro que além do estrondoso berro, pregou-lhe um “murranaço” no olho, que o Tira-Picos até viu as estrelas.
Estava arrumada a confusão... Tira-Picos e Galego no olho da rua, mas não sem que antes tivessem de largar quinze notas de mil, o que os deixou completamente “tesos” .
O pior é que no dia seguinte a “corja” desaguou na Feira de artesanato, e quando viram os dois “marmanjos”, não só lhe aplicaram nova dose como destruíram o material que ainda possuíam.
Não houve outro remédio senão devolver o Tira-Picos à procedência, onde chegou com um olho à Belenenses, teso que nem um carapau, e sem vontade de regressar a Lisboa.
Mas tinha uma agradável surpresa... ERA PAI.
 TIRA-PICOS É PAI
Sem um “chavo”, e com uma carga de “porrada no lombo”, Tira-Picos lá regressou da sua aventura por terras de Capital.
Que desculpa iria arranjar para justificar, não só o fracasso do empreendimento, como ainda o estado lastimoso em que regressou?
Mas tudo passou, e mais uma vez a “providencia divina “ esteve com o nosso amigo e qual não foi o seu espanto quando se apresentou no Monte das Bujardas, e foi acolhido pelos sogros com efusivos abraços e amabilidades nunca vistas. Na verdade o nascimento do primogénito do casal Tira-Picos fez milagres no coração do pai da Pardaleira, que quando se viu na qualidade de avô de um robusto rapagão dado à luz pela sua filha, transformou por completo o conceito que até então fazia do seu genro.
Não hesitou: a partir de agora, ficas cá no Monte, tomas conta do gado, podes fazer a tua seara e teres a tua horta... e podes ir ao mercado de Vila Viçosa e fazeres os teus negócios. Tens é que teres juízo e deixares as más companhias. O meu neto vai ser criado aqui no Monte, e há-de vir a ser alguém. Há-de ter estudos, pois não quero que seja como os pais, que nunca passaram da cepa torta!
Como o nascimento de um neto pode mudar os sentimentos de uma pessoa!
Foram talvez os melhores anos de vida do nosso amigo Tira-Picos. Nem foi preciso, maçar-se muito com a horta que entretanto construiu, onde volta e meia se entretinha a plantar uma couves, uma alfaces...mas do que gostava mesmo era de cultivar rabanetes e rábanos, pois aquilo ao fim de oito dias já tinha nascido tudo. E como gostava de presentear o seu sogro com um bom rábano (pois no dizer deste, sabia melhor, e fazia menos mal uma “rodela” de rábano do que uma de paio. O que faz a fartura).
E ele lá ia, volta e meia caminho do mercado, quando o dinheiro escasseava, mais para vender uns molhinhos de agriões que apanhava na ribeira e negociar à socapa uma ovelha, ou umas galinhas que ia surripiando no Monte às escondidas do sogro.
E o Sinfróneo (o filho do Tira-Picos e da Maria Amélia) lá ia crescendo, e tornando-se cada dia que passava num robusto rapaz, para orgulho dos seus pais mas acima de tudo do seu avô.
Foi um ano bem passado... de barriga cheia, boas “sornas”, dinheirinho quanto baste e boa vida até dizer “chegue”.
Temos que baptizar o rapaz...para o mês que vem... já falei com o Padre.
Sentenciou o “patrão” ao jantar.
È aqui no Monte, podes convidar os teus amigos...mas vê lá com quem pregas cá!
Foi o princípio do fim de um ano bem passado... o melhor na vida do Tira-Picos.
O BAPTIZADO
Eu quero que isto seja uma grande festa. Mata-se um porco, umas galinhas, podemos até assar um vitelo.... Já encomendei o vinho no Bidais. O baptizado do Sinfróneo há-de ser falado pelas redondezas.
Andava eufórico o babado avô... conseguia até transmitir a toda a família a alegria que trazia dentro de si.
 O Tira-Picos, já tinha ido ao Alandroal convidar os amigos para a cerimónia. Só da sua parte eram mais de cinquenta. As saudades que tinha da sua terra, fizeram com que fizesse uma “via-sacra” pelas “capelinhas” do Alandroal, e por fim a “bêbeda” era já tamanha que pessoa que entrasse na taberna era de imediato convidada para o baptizado. Desde o engraxador, passando pelo Cabo da Guarda, e até mesmo o Presidente da Câmara foram convidados.
E o sogro não lhe ficou atrás, pois além do Presidente da Junta, ainda dirigiu cartas ao Senhor Mário Soares e ao Senhor Cavaco Silva, que para grande decepção tão pouco lhe responderam.
Uma semana antes do grande acontecimento já a Pardaleira e a mãe, com a ajuda da vizinhança deitavam mãos ao trabalho, e foi um vê se te avias a fazer bolos fintos, de alguidar, sss,”filhoses”, azevias, nógados, até uns bolinhos de amêndoas, tipo queijinhos do céu e castanhas, havia. Das bebidas finas encarregou-se o dono da casa, que aproveitou uma ida a Évora para encomendar os licores.
No que dizia respeito a pastelaria, a mesma foi encomendada no Rui do Alandroal, que além do bolo do baptizado, fornecia, os pastéis de nata, os palmieres, os jesuítas e outros de recheio, alem de mais cinco de matéria fina.
Tudo em grande...
Como a azafama era grande em vésperas do baptizado, foi o Tira-Picos encarregado de ir buscar nas vésperas os bolos ao Alandroal, pelo que o sogro lhe passou para a mão uma “notinha de dez mil”, para fazer face ao pagamento do material.
Por azar do Tira-Picos, e ao lado, na taberna do Água Mel, onde resolveu esperar que a “encomenda” estivesse pronta, estava o Açorda que com três copos e uma bolinha de papel, que se mantinha fixa, movimentava os copos sobre a bolinha e convidava os presentes a acertar no copo debaixo do qual estava a mesma. Aquilo fascinou o Tira-Picos. Era impossível não acertar. Ele tinha visto... e não se enganava de certeza, qual o copo que tinha a bola por baixo. Resolveu arriscar... Mil paus! Foi que nem canja...ganhou... Mais outra vez. Desta vez dois mil. Perdeu...E por aí fora...até que a “massa” se transferiu por completo para os bolsos do Açorda,
Só regressou de madrugada, sem coragem de enfrentar os sogros, sem bolos e sem dinheiro.
Mas o baptizado realizou-se e ainda hoje se diz que não houve festa maior, lá para os lados de Pardais... só que bolos finos não houve, e a alegria do avô era tanta que só passado oito dias e quando o Pasteleiro se apresentou a reclamar o prejuízo pelo não levantamento da mercadoria e consequente idmenização, o mesmo indagou e foi poste ao corrente do sucedido.
Acabou-se a boa vida... e Tira-Picos, regressou ao Alandroal... sem mulher e sem filho... que drama!!!
FINALMENTE...NO BOM CAMINHO
Há males que vêem por bem... Depois de “enxotado” de casa dos sogros pela segunda vez, e vendo-se novamente “sem eira nem beira”, a acudirem-lhe à lembrança os tempos que se viu só e abandonado, após a “mijaceira” depois daquela noite de bêbada, e prevendo que novos males se avizinhavam, Tira-Picos resolveu dizer basta, “empinar o juízo”, “deitar contas à vida” e “tornar-se alguém”.
O primeiro passo era ir falar “de homem para homem” com o sogro. Afinal ele era casado, de papéis passados (mentira), o filho era dele, e alem do mais tinha direito a umas cabeças de gado que entretanto tinham nascido. Pelo menos a uma vaca, não contabilizando o que estava por colher na horta que o sogro lhe tinha posto à disposição.
O gaiato nem penses levá-lo daqui, quero que ele seja alguém. A Maria Amélia é lá com ela. Tu, toma lá uma nota de dez, e põe-te a andar...
Não estivesse o pensamento do Tira- Picos, já com as ideias definidas, do que se propunha fazer, e teria sido nessa altura que ajustava contas com o sogro: mandava-o meter a nota no cu, e arreava-lhe tamanha carga de porrada, que nem ele sabia de que freguesia era.
Assim preferiu, arrecadar a nota, deixar a educação do Sinfróneo ao cuidado dos avós, que para isso tinham posses, esquecer por uns tempos a Pardaleira e concretizar o que tinha em mente.
Se as cadeiras com fundos de buinho, tinham desaparecido num ápice, quando da feira de artesanato em Lisboa, porque não havia ele de ir experimentar vender cadeiras aos Lisboetas?
Agora até já sabia o caminho!
Com a nota de dez comprou umas cadeiras... pôs-lhe os fundos... e marchou caminho e Lisboa.
Não precisou de sair do Terreiro do Paço. Logo no barco vendeu metade, e as restantes voaram num instante.
No primeiro mês só lá ia uma vez por semana, mas ao fim de pouco tempo o negócio tornou-se tão próspero que passou a ir dia sim, dia não. Entretanto aprendeu as fazer os cestos de verga. Alternava os cestos com as cadeiras, e mais tarde já era representante de todos os artesãos do concelho, comprando cá, vendendo lá.
Tornou-se conhecido no meio, já não se limitava, a levar...trazia também produtos que não eram vistos no Alandroal, e que transaccionava por bom preço.
Comprou uma carrinha, mais tarde uma camioneta e agora já tem um carro frigorífico, onde faz o transporte de mariscos.
Já não mora no Bairro das Minhocas, mas em casa própria.
Já tem a sua mulher ao seu lado e o Sinfróneo estuda em colégio particular.
Já não pede a bicicleta emprestada, mas desloca-se em jeep do próprio.
A Pardaleira, já não é conhecida assim, mas por D: Mélinha.
O Tira-Picos ainda vai à tasca do Água-Mel, mas não bebe um tinto...bebe whisky.
Deixou de ser o Tira-Picos e passou a ser o Senhor Carrilho Soares.
Pondera agora conjuntamente com o sogro, com o qual tem agora uma S.A.R.L, da qual resultaram algumas P.M.E., se deve ou não aceitar o convite que lhe foi dirigido, pelo P.S.F. (Partido: Portugal Sem Fundos), se, se deve candidatar a Presidente da Junta.

Quanto a mim: moveram-me um processo, que corre os seus trâmites em Tribunal, no qual me acusam de ter denegrido a sua imagem. O que eles não sabem é que assim que eu queira, pura e simplesmente desaparecem. Há...há...há...
E é já....
Saudações Marroquinas
Xico Manel







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