Wednesday, April 06, 2011

BADAJOZ

« Esta é a segunda narrativa das três que fazem parte da " TRILOGIA DO QUADIANA " .

Lembramos que estes escritos foram encontrados dentro duma garrafa, encalhada num açude do rio.
Vinham escritos em língua castelhana e não estavam assinados.
A tradução é da responsabilidade de Eveline Sambraz.
O título é também da responsabilidade da tradutora. »

Nota da tradutora === " Na organização da narrativa, sobretudo na forma como está paragrafada, foi respeitado o original "

BADAJOZ

Quando Rufino Potra chegou à estação do Levante, naquela manhã de Abril de 1936, em Madrid, tinha acabado de chegar o combóio de Valência. Ia esperar Largo Maltese, um amigo doutro amigo a quem ele tinha prometido ajudar na busca dum mapa antigo que estaria na biblioteca de Badajoz. Esse mapa, pelos acasos do destino, fora parar a essa biblioteca, por testamento de um antigo navegador do século XIX que, depois passar grande parte da sua vida nas colónias espanholas da América Latina, acabara os seus dias em Badajoz, legando à cidade todo o seu espólio. Este espólio, estaria ainda por classificar, e jazia, há dezenas de anos, nas caves do edifício que albergava a biblioteca municipal. O amigo de Largo Maltese, também amigo do Rufino, sabendo que este era natural de Cheles, e que tinha feito os estudos preparatórios em Badajoz, conhecendo a cidade muito bem, não achara melhor solução que entregar-lhe o recém chegado. A Madrid de 1936 fervilhava de vida e de boatos. A vitória da Frente Popular dois meses antes, em eleições muito disputadas, tinha dado à cidade um movimento inusitado. Havia sempre muita gente a chegar, muita gente a partir e os comboios, apesar dos tradicionais atrasos dos caminhos de ferro espanhóis, andavam sempre apinhados. Excepcionalmente, a composição vinda de Valência tinha chegado dentro do horário. Foi preciso esperar um bom espaço de tempo, antes que se desfizesse a confusão dos que chegavam e dos que partiam, entre os gritos dos bagageiros que ofereciam os seus serviços, e o resfolgar das locomotivas. Quando aquela balbúrdia acalmou, Rufino, vislumbrou ao fundo do cais, um homem que nunca mais esqueceria. Não tanto pelo seu aspecto físico, mas sobretudo pelas situações porque iriam passar nos próximos dias. Era um homem alto, fisicamente bem constituído, muito moreno e exibia um farto bigode. As feições pareciam indicar que talvez pudesse ser mestiço. Embora a mistura de sangues se tivesse dado várias gerações antes, a verdade é que os lábios cheios e o cabelo um pouco encarapinhado, embora longo e caindo sobre os ombros, indiciavam a presença de antepassados negros na sua família. Estava vestido como os marinheiros sempre se vestem em terra : Calças de boca larga, botas de couro muito flexível, grosso camisolão de malha, com gola alta, e casacão de marinheiro. Ao ombro, como bagagem, trazia um grande saco de lona. Vale a pena falar um pouco mais deste homem já que a sua participação no decorrer desta narrativa será de muita importância. Cidadão espanhol, tinha nascido em Cuba no fim do século dezanove, quando aquela ilha ainda era uma colónia espanhola. A guerra Hispano - Americana apanhara-o ainda criança e mudara-se com a família para o México, no início do século vinte. Aí, tivera uma vida aventurosa, sempre tendo o mar como cenário. O mar das Caraíbas, mais propriamente. Vinha em busca do tal mapa, porque nele estaria a chave da localização dum tesouro escondido pelos espanhóis, quando estes ainda dominavam o México. Um aventureiro, como facilmente se vê. Meio-irmão, segundo se sabia, de Corto Maltese, outro aventureiro. Quando se viram frente a frente e Rufino se apresentou, trocaram um vigoroso aperto de mão, tendo o visitante informado que tinha instalações reservadas num hotel do centro da cidade, mas que apenas tencionava demorar-se em Madrid, o tempo estritamente necessário. Tinha igualmente reservado um automóvel e queria partir para Badajoz o mais rapidamente possível. O hotel, um dos melhores da cidade, reconheceu Rufino, tinha realmente um quarto reservado e um automóvel pronto para partir. Combinaram partir no dia seguinte, mal o sol nascesse. Também se ajustou a dormida de Rufino no hotel, para evitar demoras de última hora. Parecia não faltar dinheiro ao recém chegado. Convém, para melhor se entender o que se vai seguir, dar uma explicação do ambiente que se vivia em Madrid por essa época : Os espanhóis tinham ido às urnas no dia 6 de Fevereiro passado, domingo de Carnaval. As eleições tinham sido ganhas pela Frente Popular que, entretanto, já tinha formado governo. O Primeiro Ministro da República de Espanha, don Miguel Azaña, desdobrava-se em esforços, não só para dar um rumo ao país, como para harmonizar os partidos de esquerda que, entre si, não se entendiam. Os vários partidos das direitas, que não aceitavam a derrota eleitoral, conspiravam abertamente contra o governo. Os tiroteios entre os falangistas e grupos da FAI ( Federação Anarquista Ibérica ), eram diários. A cidade fervilhava de boatos sobre assassinatos políticos e levantamentos militares. Todos os quartéis de Madrid estavam de prevenção rigorosa. O clima social e político da capital de Espanha era de cortar à faca. Dizia-se que os partidos das direitas estavam a armar os seus militantes, porque estava iminente um golpe de estado contra a república. Foi esta cidade que os nossos dois conhecidos deixaram para trás naquele dia do fim de Abril, quando se puseram a caminho de Badajoz. Ao fim do dia, já instalados nesta cidade da Extremadura espanhola, recolheram cedo à pensão onde se hospedaram, pois tencionavam começar a procurar o mapa logo pela manhã. Munidos das respectivas autorizações, passadas pelo Ayuntamiento de Badajoz, aonde Largo Maltese se apresentara como historiador de assuntos relacionados com as antigas colónias de Espanha nas Américas, às dez horas da manhã já estavam a abrir os caixotes do espólio a que fizemos referência. Não encontraram nada. Do mapa, nem sombra. Por mais que uma vez passaram a pente fino todo o espólio, mas sem qualquer resultado. Ainda falaram com o responsável da biblioteca que, muito assustado e em grande atrapalhação, sem motivo aparente, os informara que os caixotes estavam naquela cave, tanto quanto ele sabia, há mais de cinquenta anos, sem nunca terem sido abertos. Desanimado, mas conformado com o resultado da pesquisa, Largo Maltese, disse a Rufino que teria que continuar a busca noutros lugares, pois tinha a certeza que o mapa existia. E o tesouro, por suposto, também. E ele, agora mais do que nunca, estava disposto a deitar-lhe a mão. Fariam uma última tentativa no dia seguinte. Depois, fosse qual fosse o resultado, regressariam a Madrid. No dia seguinte, voltaram a passar em revista todo o espólio, chegando à mesma conclusão : O mapa não se encontrava ali. Foi nessa altura que repararam em vários caixotes que também se encontravam na cave, embora um pouco afastados. Os caixotes pareciam em muito bom estado, decerto não se encontravam naquele lugar há muito tempo. Rufino, que estava muito desiludido com o resultado da busca, por raiva e descargo de consciência, meteu a alavanca às tábuas e retirou a tampa. Surpreendido, verificou que o caixote estava cheio de metralhadoras e carregadores de munições. As armas eram novas e de modelo relativamente recente. Depois de chamar Largo Maltese, que ainda se encontrava junto do espólio que os tinha levado a Badajoz, numa última tentativa para encontrar o mapa, abriram o resto dos caixotes e confirmaram que todos continham o mesmo tipo de armas. Quando saíram da biblioteca, foram de imediato para o quartel do governo militar e falaram com o coronel que exercia as funções de governador da cidade, dando-lhe conta do que tinham encontrado.
Ainda se demoraram mais dois dias na cidade. O suficiente para saberem que aquelas armas estavam a entrar em Badajoz, vindas de Portugal, e se destinavam a armar os militantes falangistas.
Apenas esperavam que se desse o levantamento militar.
O levantamento militar deu-se a 17 de Julho de 1936.
Quanto aos dois intervenientes, Largo Maltese e Rufino Potra, depois de se despedirem, em Madrid, no dia 12 de Maio de 1936, nunca mais se encontraram, nem souberam um do outro.
Rufino Potra não chegou a saber se Largo Maltese acabou por encontrar o tesouro.
Nem Largo Maltese teve conhecimento dos trabalhos em que Rufino Potra se viu durante a guerra civil que se seguiu.

FIM

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